No início dos anos 70 o impensável da indústria dos quadrinhos aconteceu: Jack Kirby, o homem que criou o universo Marvel ao lado de Stan Lee, foi trabalhar na DC Comics. Lá ele teve uma série de ideias interessantíssimas que acabaram por servir de base para a mitologia cósmica da DC Comics, principalmente com a criação do icônico vilão Darkseid. Mas nesse meio do caminho ele fez outras coisas bem interessantes, entre elas o herói Omac (One Man Army Corps).

Mark Evanier, aprendiz de Kirby, garante que a ideia para esse super soldado do futuro estava guardada há anos por Kirby e que provavelmente ele pretendia usá-la para uma possível reimaginação do Capitão América, jogando para um futuro distante. Mas a relação de trabalho com a Marvel foi se deteriorando, até que ele acabou indo para DC onde deu vazão para diversas ideias que estavam engavetadas. Na DC ele poderia roteirizar, desenhar e editar seus próprios quadrinhos e foi assim que as oito edições de Omac foram feitas. A única ajuda que ele tinha era com a arte final.

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O conceito do personagem Omac era incrivelmente avançado para a sua época. Uma mistura de cyberpunk, histórias de espionagem e super-heróis. A trama se inicia com um sujeito chamado Buddy Blank que não possui nada de extraordinário, mas acaba sendo escolhido por uma organização que protege a paz mundial para ser transformado num exército de um homem só. Um satélite gigantesco, chamado de Irmão Olho, uma espécie de inteligência artificial que pode realizar diversas maravilhas tecnológicas. Da orbita da terra o satélite altera a composição química do corpo de Buddy para transformá-lo no Omac.

Esse futuro levemente distópico (comparado com outras histórias que temos na atualidade) a tecnologia se torna um perigo constante, conforme armas poderosíssimas são criadas acabam sendo usadas por facções terroristas e senhores da guerra com sede de poder. A função de Omac é justamente impedir que esses problemas se tornem ameaças globais.

O que torna o gibi de Omac tão interessante é justamente perceber que para uma publicação mensal de super-heróis dos anos 70 temos um material muito ousado. Política é discutida de forma aberta nas páginas e diversos conceitos de ficção científica são apresentados, e percebemos alguns paralelos com a clássica obra de futuro distópico 1984 que vão bem além do nome do satélite citado no texto. Todo esse mundo futurístico, chamado no gibi de “mundo do Porvir”, é extremamente militarizado e controlado pela tecnologia, e a população é constantemente vigiada por um grupo de sujeitos sem rosto (literalmente) que tentam controlá-los para impedir qualquer tipo de conflito. Vale lembrar que o gibi não é uma adaptação do universo do livro de George Orwell, mas se inspira em algumas ideias para construir seu próprio universo.

Infelizmente o gibi só teve oito edições, assim como muitas outras ideias de Kirby que não tiveram o devido valor reconhecido e não receberam apoio da DC na época. Tanto que ele acabou por retornar para Marvel um tempo depois.  Recentemente essas edições foram compiladas na edição da Panini intitulada “Lendas do Universo DC: OMAC”. É uma baita recomendação para aqueles que gostam de quadrinhos de super-heróis com um tempero a mais. Também é uma peça fundamental para entender o poder criativo de Jack Kirby que, muito provavelmente, foi o maior nome dos quadrinhos de todos os tempos.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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