Após muita expectativa Os Defensores estreou na Netflix e, enfim, podemos assistir o resultado final de uma trama pensada desde a primeira série solo produzida em conjunto com a Marvel em 2015, a primeira temporada de Demolidor. E o resultado deixa um tom insípido em nossas “papilas gustativas”. Com 8 episódios, o grande crossover dos heróis urbanos da Marvel apresenta qualidades e defeitos vistos em suas séries predecessoras, empolgando e decepcionando em momentos variados, mas que, ao fim, deixa o sentimento que de que poderia ser melhor.

Falo isso com grande desgosto, pois em Defensores há momentos realmente empolgantes, como todo o terceiro episódio (único episódio que não teve a participação de Marco Ramirez no roteiro) que me fez lacrimejar em um certo momento de vergonha alheia. Todo o engendramento que a série trabalha para construir a motivação dos 4 heróis se unirem contra um inimigo em comum é sensacional, mesmo necessitando de longos 2 episódios e meio. Tudo bastante respeitoso com o que já havia sido estabelecido com as séries anteriores e coerente com as características e personalidades de cada um dos heróis. Inclusive com a participação de grande parte do elenco de apoio das séries solos.

Como sempre, o início de relacionamento de um grupo de heróis se dá através do conflito que, depois, leva ao entendimento. Essa é uma dinâmica padrão para qualquer produção de equipe, e são os melhores momentos que temos na série. O misterioso e conflituoso Matt Murdock (Charlie Cox), o destemido e honrado Luke Cage (Mike Colter), a irônica e solitária Jessica Jones (Krysten Ritter) e o infantil e ingênuo de bom coração Danny Rand (Finn Jones) se entrelaçam em diálogos divertidos e dinâmicos que nos satisfaz ao vermos aquele momento tão esperado. Porém, após toda essa construção dos protagonistas, entra em cena a dinâmica dos vilões, o Tentáculo. E aqui a série começa a não só decepcionar, mas também sofrer uma derrocada sensível. Mas, primeiramente, temos que ressaltar a indefectível e classuda participação de Sigourney Weaver (a eterna Ellen Ripley). No papel de Alexandra, a grande líder do Tentáculo, Weaver consegue encorpar o elenco e dar o peso necessário para acreditarmos na grande ameaça que é esta organização criminosa secular, depois do desgaste de personagens como a Madame Gao (Wai Ching Ho) nas temporadas de Demolidor e, principalmente, Punho de Ferro. Porém, diferentemente da dinâmica dos heróis, quando os 5 “dedos” do Tentáculo (The “Hand”, sacou?) se juntam, as coisas desandam.

Como assim, desandam? Sim, toda a ameaça que Alexandra impunha com sua influência e poder se perde quando os 5 líderes do Tentáculo se reúnem, e observamos que a noticiada “chacina” certa, não passa de uma bravata pra assustar criancinhas. Não só isso, é triste ver todo o planejamento “genial” e influência de uma grande organização das sombras ser diluída por 5 patetas com mais de 300 anos de idade que não dão medo e nem agem com experiência. Aliás, perguntamo-nos como que pessoas com mais de 3 séculos de vida (no mínimo) conseguem ser tão inoperantes e sem inteligência. O famoso “show, don´t tell” passou longe aqui. O Tentáculo parecia ser mais perigoso nas séries solos do Demolidor. 

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E pra piorar a situação, como um grande desperdício de roteiro, a série não explora sequer como tais personagens que nunca lidaram com a verdadeira morte podem temê-la de verdade. Coisa esta que parecia ter uma boa construção com a doença de Alexandra, mas foi esquecida para dar lugar a uma disputa de liderança que envolvia o êxito da super-arma “Black Sky“. E com isso, por volta do quarto episódio, toda a trama dos vilões e suas dinâmicas de grupo se perdem, inclusive a própria Alexandra, que vive um misto de sentimentos de maternidade e fracasso que, apesar de proporcionar belas cenas isoladas de Weaver (como na ao lado do gramofone), são muito mal aproveitados na série.

Falando em “Black Sky”, sabíamos que teríamos a Elektra (Elodie Young) novamente na trama, e isso já causava preocupações antes mesmo da série estrear, pois já sabíamos o drama que ela viveria. O conflito de sua nova existência com a antiga, e, claro, sua paixão com o Demolidor. Um drama previsível, porém aceitável. Causando um final entre os dois um tanto clichê, até. Porém o que mais incomodou foram as canetadas dos roteiristas via Elektra, como na cena em que é “solucionada” a questão da liderança do Tentáculo, ou em como ela tem a força para derrotar todos os heróis com um só golpe em certos momentos, e em outros não. Tudo de acordo com os movimentos das canetas dos roteiristas (Lauren Schmidt Hissrich, Douglas PetrieMarco Ramirez). Parecendo que eles foram pegos de surpresa ao saber que em algum momento a série teria que se movimentar para o final, comprometendo todo o bom trabalho narrativo feito no início. A direção fica no mesmo tom cinza, usando desde ângulos padrões à câmeras dinâmicas, com sete diretores diferentes para apenas oito episódios, uma prática comum em séries atualmente. Porém a escolha de ter cenas de interlúdio nas transições de umas cenas para outras deu uma linguagem ligeiramente novelesca na produção.

Com os protagonistas tivemos mais altos do que baixos. Os heróis conseguiram trazer muito da bagagem de suas séries solos, tanto para o bem como para o mal. E aqui é aonde nos deparamos com os problemas da temporada de Punho de Ferro. Danny Rand não mostrou nenhuma evolução como personagem, e muito menos se tornou mais cativante ao longo destes 8 episódios. Porém a série acertou em dar sua relevância na trama ao ligá-lo diretamente com o objetivo dos vilões. Um bom recurso de roteiro e narrativo não só para nos importarmos mais com ele, como também trazer conflitos entre o próprio grupo de heróis, já que o seu poder de Punho Dourado eram essenciais para o plano de vida eterna do Tentáculo.

Falando em poderes, até hoje eu tenho dúvidas sobre como funciona a mão brilhante do Punho de Ferro. Quando ele pode usar ou não, se é um golpe de impacto ou uma onda de choque. Se quebra paredes ou só esbofeteia adversários. Funcionando de acordo com a vontade de momento do diretor, um golpe tão inconstante como o seu usuário. Porém essa instabilidade de Danny até funciona na relação de contraste com Luke, coisa que alimenta esperanças para uma temporada de “Heróis de Aluguel” (quadrinhos da parceria dos dois heróis). Mas os verdadeiros momentos de qualidade genuína na série, seja em alguns diálogos ou na própria dinâmica entre os dois, fica por conta de Matt e Jessica, de longe personagens (e atores) com mais camadas da série. Todos reunidos promovem excelentes e divertidos diálogos. É muito legal vermos as piadinhas de Jessica junto com o non-sense de Danny, aliado com o heroismo de Luke e com a sobriedade de Matt. Até mesmo a impertinência de Stick (Scott Glenn) fica boa nessa dinâmica.

É impossível falarmos desta reunião sem logo imaginar as cenas de luta. Porém, nem mesmo com os 4 reunidos a série é capaz de verdadeiramente agradar na ação. Nenhuma luta teve o peso de dramaticidade necessária ou de, pelo menos, algum “show-off” relevante. Coreografias básicas, adversários fracos e efeitos limitados. Parece que a força da Jessica Jones está relacionada apenas com carros, pois arremessar, segurar e empurrar automóveis são praticamente as únicas coisas onde vemos seus poderes. Com Luke os seus talentos excepcionais são bem representados, mas faltou-lhe uma batalha com um pouco mais de peso (poderia ter acontecido quando ele capturou o Sowande, mas a série fez questão de pegar um atalho). Demolidor e Punho de Ferro vão mais para o lado artístico e coreografado das lutas, e os fazem sem decepcionar, mas assim como Luke, faltou um peso maior em suas lutas. E o mesmo podemos dizer de seus adversários, que não dão a mínima noção de periculosidade verdadeira, sendo que até mesmo o Stick parece ser mais perigoso que eles.

Ainda não sabemos se terá uma segunda temporada de Defensores, mas já é de nosso conhecimento que as séries solos continuarão, pelo menos por mais uma temporada para cada um (além de Justiceiro que ainda estreia esse ano). O crossover fecha um ciclo, porém abre portas para as sequências solos. Punho de Ferro, inspirado no sacrifício de Murdock, agora tem uma cidade para chamar de sua. Luke Cage ainda terá trabalho no Harlem, quem sabe auxiliando Misty a se recuperar de sua “perda”. Jessica Jones ainda tem traumas a lidar, mesmo conseguindo o perdão de Luke. E, apesar do pretenso suspense, Demolidor terá que ajustar sua vida civil e de vigilante depois de tanta confusão, exposição e escombros.

Enfim, mesmo com uma primeira temporada morna, Defensores foi capaz de provocar sentimentos muito bacanas nos espectadores, porém pecou em quesitos importantes. Vindo de duras avaliações com a primeira temporada de Punho de Ferro depois de boas criticas de seus outros heróis, a Netflix e a Marvel tem a chance de repensar e recomeçar um novo ciclo com as mesmas aspirações, mas, esperamos, com melhores execuções. 

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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