Envolvendo um elenco de qualidade, The Sinner estreou em agosto de 2017 no canal USA nos Estados Unidos, e chegou ao catálogo da Netflix alguns meses depois; tornando possível para que o público brasileiro pudesse assistir. A série é uma adaptação do homônimo livro de Petra Hammesfahr, e é estrelado por Bill Pullman e Jessica Biel. The Sinner (O Pecador ou A Pecadora, numa tradução livre) traz um drama de mistério interessante, que trata de assuntos traumáticos física e psicologicamente a partir de um assassinato improvável no parque, que envolve castração de personalidade, dramas familiares, religiosidade e, claro, o “pecado”. Porém tais questões perdem o fôlego durante os episódios, perdendo bastante do interessante tom abstrato da trama.

Uma família aparentemente normal é virada de cabeça pra baixo quando a mãe, Cora Tannetti (Jessica Biel) assassina a facadas um rapaz totalmente desconhecido no parque estadual enquanto passeava com seu filho e marido, que ficaram perplexos com tal atitude. Com este homicídio brutal e misterioso, Cora é levada a julgamento, enquanto que o detetive Ambrosi (Bill Pullman), instigado por tais fatos  estranhos, envolve-se de cabeça na investigação deste homicídio, ao mesmo tempo que tenta uma reconciliação com sua ex-esposa.

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The Sinner aborda de um jeito interessante num dos sentimentos mais profundos do ser humano: a culpa. É um peso gigante na consciência de qualquer um, e ela pode acontecer por qualquer motivo, inclusive sem motivo. E junto da culpa vem o sentimento de “punição”. Muitas das vezes o “culpado” se sente tão indigno de viver em paz com tamanho peso na consciência, que ele busca a própria penitência para si. Este é um dos sentimentos mais depressivos que o ser humano pode ter, e é o tema principal do seriado. Porém junto com a culpa, surge o mistério: o que aconteceu para que Cora Tannetti esfaqueasse um desconhecido na frente de dezenas de pessoas?

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A partir de então somos levados num intrigante oceano de memórias perdidas e retalhadas de Cora. E descobrimos que há algo por trás. E a série consegue construir e desconstruir hipóteses na cabeça do espectador, apesar de vez ou outra apelar para alguns artifícios de roteiro (como as memórias confundindo Maddie e Phoebe). E, assim como o detetive Ambrosi, percebemos que há algo de muito obscuro nesse passado perdido da protagonista, porém não sabemos o que é. Ela é uma assassina? Apenas louca? Vítima de uma conspiração? Ou é alguém buscando sua própria penitência? Não são poucas as teorias que levantamos durante os 8 episódios da temporada, isso graças a um roteiro bem pensado para tentar nos enganar: os 7 golpes; as cicatrizes nos braços e na cabeça; os traficantes; o clube de caça. A cada momento estamos nos voltando para uma nova possibilidade, ao mesmo tempo que observamos como tal fato mexeu com a própria família Tannetti.

Após o assassinato ocorrido publicamente no parque, a família Tanneti sente na pele a discriminação por ter uma “assassina” na família. O amontoamento da imprensa em frente a casa, as pichações no carro, a rejeição dos clientes. De certa forma observamos como o preconceito acontece e que, muitas das vezes, a família do criminoso também é uma vítima. Mason (Christopher Abbott), o marido de Cora, entra numa espiral de dúvidas e sentimentos enquanto tenta entender o que se passou com sua esposa, e cada vez mais que revira o passado tentando achar motivos, acaba entrando numa espécie de jornada vingancista. E, apesar de ser algo que talvez faríamos igual na vida real, percebemos como isso é um caminho que pode empurrar cada vez mais a própria família ladeira abaixo. E, concomitante a isso, acompanhamos as investigações do detetive Harry Ambrosi, e somos brindados com a brilhante atuação de Bill Pullman.

Pullman compõe seu personagem em uma atuação estupenda, cada trejeito e olhar de Ambrosi denotavam que ali tinha uma pessoa atormentada e infeliz. E logo de cara já entendemos o motivo das marcas de sangue “pisado” nos dedos. Ambrosi ao mesmo tempo que quer resgatar sua vida e seu casamento, ele sente a necessidade de visitar a garçonete do restaurante para uma sessão de sexo sadomasoquista. É ali onde ele se sente verdadeiramente como merece. Punido. Seu casamento é ele tentando algo melhor para si, e que, por algum motivo, ele sente que não merece. É onde percebemos que a culpa é algo que pode estar dentro de qualquer pessoa, e como isso pode afetá-la de diversas maneiras. Mas, apesar de tais cenas conjugais de Ambrosi compor o drama do personagem, em termos práticos de narrativa da série, esse arco é arrastado demais. Deixando a série em alguns momentos sonolenta. Principalmente nas questões da terapia de casal (aqui vai um veneninho meu rs!).

Tais investigações é o que mais aproxima The Sinner de outras séries do gênero, como The Killing ou Big Little Lies, aonde um crime acontece sem ninguém entender o porquê, e uma pessoa atormentada investiga ou está envolvida no mistério. De certa forma isso já era esperado, pois há de se ter uma explicação para aquilo ter acontecido, porém a série acaba deixando de lado a questão tão interessante que se propôs a debater no início: a relação entre o pecado e a culpa. A construção de Cora ter sido criada em um lar totalmente repressor e religioso perde peso a partir do terceiro episódio, quando ela se declara culpada no julgamento. E, a partir dali, somos jogados em lembranças traumáticas que foram esquecidas devido ao cárcere que Cora foi submetida, e não às quebras psicológicas que a personagem flertava no início. Dando um cunho mais material/real do que abstrato/psicológico para a questão principal da trama, dando um gosto de mais do mesmo na série, deixando-a aquém do que poderia ser.

Entre altos e baixos The Sinner consegue prender a atenção do espectador, e de certa forma acabamos por nos importar com a protagonista mais pela curiosidade de saber como aquilo aconteceu, do que pela personagem em si. Jessica Biel apesar de representar bem uma mulher reprimida sexualmente, não foi capaz de dar mais camadas à Cora. Diferentemente de Pullman com o seu detetive Ambrosi. Já falam que a série talvez tenha uma segunda temporada, mas não se sabe ao certo se seria uma continuação desta trama (talvez explorando o passado e o trauma do detetive que fica em aberto) ou se a série se tornará uma antologia, com um caso novo a cada temporada. De toda maneira a primeira temporada teve um arco fechado que não necessita de continuação. Uma temporada digna, porém cumpriu pouco do que prometia.


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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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