A parte boa de se iniciar uma trilogia sabendo que ela já está concluída é que você tem a certeza de que não sofrerá de ansiedade pelos próximos volumes. Basta passar de um para o outro. Foi exatamente isso que aconteceu comigo quando estava lendo a saga Mar Interno, do escritor Roberto Campos Pellanda. Li os três livros que compõem a obra — Maré de Mentiras, Filha do Mar e Mar em Chamas — como se fossem uma coisa só. Por isso essa resenha se destina a falar um pouco de cada volume, mas principalmente da obra como um todo.

Através de uma narrativa linear onde o livro seguinte continua do ponto onde o anterior parou, Roberto nos apresenta um ambiente fortemente inspirado nas repúblicas marítimas do Mediterrâneo e no contexto político e cultural do Oriente Médio. Assim, alternando entre o ponto de vista dos três protagonistas, somos envolvidos em uma trama repleta de intrigas políticas, traições e espionagem na busca pelo domínio do Mar Interno, cenário formado por diversas nações costeiras, cada qual com seus costumes e particularidades. Por trás de tudo isso, uma ameaça sobrenatural na qual ninguém acredita aos poucos ganha espaço e ameaça a todos.

No primeiro livro, Maré de Mentiras, conhecemos aqueles que irão nos guiar por essa jornada: Anabela Terrasini é uma moça de mente afiada educada desde cedo para ser uma líder. Após a morte do pai, o duque Alexander Terrasini, o vazio no governo da cidade de Sobrecéu desencadeia uma série de conspirações que colocam a jovem e sua família em perigo. Theo leva sua vida aplicando pequenos golpes em Valporto ao lado de Raíssa, uma menina muda. Quando ela é sequestrada, o rapaz descobre que precisará tomar partido em algo muito maior se quiser revê-la. Em Tássia, o ex-comandante Asil Arcan é assombrado pelos fantasmas da guerra, mas encontra uma chance de redenção depois de ser acometido por visões de uma criança em um salão em chamas clamando por socorro. Em meio a perdas, sacrifícios e amadurecimento, os caminhos desses três personagens irão se cruzar na luta pela sobrevivência.

Logo de início fica evidente o carisma dos três protagonistas. Cada um a sua maneira apresenta uma personalidade característica e um objetivo a ser seguido a qualquer custo. Anabela se destaca pela sua inteligência e capacidade de liderança mesmo nas piores situações. Theo, por mais que tente não se envolver na luta dos outros, demonstra caráter e bom coração, apesar da ingenuidade em alguns momentos. Asil, por outro lado, é um personagem muito mais complexo e, por isso, o meu preferido. A fama que ele conquistou durante a guerra contrasta com suas atitudes no presente, mostrando sua batalha para compensar todo o mal que fez no passado, por mais que ninguém perceba.

Embora o final de Maré de Mentiras seja abrupto, Filha do Mar dá continuidade à narrativa mostrando os desdobramentos em meio ao caos no Mar Interno. Theo agora tem uma missão: encontrar o artefato conhecido como Disco de Taoh. Contudo, essa tarefa lhe deixará uma marca profunda. Asil precisa usar seu machado outra vez, mas agora com o propósito de proteger alguém indefeso. Já Anabela, em uma reviravolta dos acontecimentos, é levada até a grandiosa Astan, onde uma guerra civil está prestes a eclodir. Os objetivos de todos se mantêm os mesmos, porém em trilhas distintas.

O grande diferencial do livro 2 é a apresentação de um cenário inédito. Boa parte dos acontecimentos se desenrola em Astan, cidade que, de acordo com o próprio autor, seria equivalente à Constantinopla. A comparação é válida devido a muitos aspectos, desde a extensão territorial, passando pelo contexto religioso e político conturbado, até chegar à cultura oriental marcada pelo avanço em diversas áreas do conhecimento. Essa riqueza de detalhes mostra a pesquisa histórica por trás da ficção. Apesar disso, alguns saltos temporais e a resolução de certos conflitos me incomodaram. Além disso, algumas revelações envolvendo personagens secundários não agregam à trama como um todo. Fora isso, a obra converge as jornadas dos protagonistas para o desfecho de maneira satisfatória.

Mar em Chamas enfim reúne os núcleos dos personagens em um mundo tomado pela guerra e pela influência de forças demoníacas cada vez mais poderosas. É na famigerada Tássia onde parte da ação se desenvolve e Anabela, Theo e Asil se veem obrigados a tomar decisões difíceis. Ao encararem o peso de cada escolha, os três se encaminham para o confronto que decidirá o destino não apenas do Mar Interno, mas do mundo inteiro.

Como se espera de uma boa obra de fantasia, sua conclusão vem carregada de perdas e ganhos para os envolvidos. Apesar de a trilogia não seguir os moldes sombrios de uma dark fantasy, o final agridoce dá certo peso emocional à narrativa, mostrando as consequências de determinadas escolhas. Isso já é o bastante para compensar certas conveniências e encontros que, para mim, soaram improváveis dentro da trama.

Por último, fica o destaque para o trabalho de Roberto Campos Pellanda na criação da saga, a começar pelo worldbuilding — a construção de mundo no qual se situa o Mar Interno. O contexto político e cultural de cada região, a preocupação em usar termos náuticos apropriados para caracterizar o cenário marítimo e as descrições bem feitas, se combinam para criar uma leitura fluida e divertida. O resultado disso foi que li a trilogia inteira em questão de dias e me peguei querendo permanecer nesse universo por mais tempo. Felizmente, há o prelúdio que se passa em Astan, Terceiro Saber, e um conto intitulado O Mar que Veste o Mundo.

Para quem busca uma história prazerosa, a trilogia Mar Interno é uma boa pedida, ainda mais sabendo que todos os volumes já foram publicados. A mistura equilibrada entre intrigas políticas, cenas de ação e o crescimento pessoal dos personagens centrais cria uma atmosfera envolvente de aventura que prende o leitor do início ao fim. Além disso, é uma alegria perceber que a literatura nacional, especialmente a fantástica, sempre tem coisas novas e originais a oferecer.

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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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