[authorbox authorid=”2″ title=”Crítica por:”]

Com a proposta de exibir imagens inéditas de uma equipe da ESPN que acompanhou todos os passos do sexto e último título da franquia Chicago Bulls na NBA, The Last Dance (Último Arremesso no Brasil) estreou durante o período da pandemia na Netflix. Estreia esta que foi adiantada justamente pela oportunidade de maior impacto durante este período de quarentena (inicialmente estava prevista para junho). Contando com 10 episódios, a série documentário dirigida por Jason Hehir apoia-se totalmente na jornada da figura principal da equipe Michael Jordan para a sua narrativa. Confundindo o espectador se estava assistindo a uma série sobre a dinastia do Bulls dos anos 90 ou sobre a vida de Jordan. Coisas que realmente se confundem na vida real.

Publicidade

Último Arremesso faz o relato definitivo da carreira de Michael Jordan e dos Chicago Bulls dos anos 90, ilustrando-o com imagens inéditas da época de 1997/1998. Michael Jordan, Scottie Pippen, Dennis Rodman, Phil Jackson e muitos outros traçam este retrato de uma equipa lendária.

A estrutura de The Last Dance é um pouco complicada, pois segue duas linhas do tempo simultaneamente, uma alcançando gradualmente a outra. O primeiro é o período inteiro de ascensão e domínio dos Bulls, desde o draft de Jordan em 1984 até as seis temporadas do campeonato: 1991, 1992 e 1993; 1996, 1997 e 1998. A segunda linha do tempo é somente focada na última temporada vitoriosa, o ano de 1997-98 em que, apesar dos cinco campeonatos que já haviam vencido juntos, o futuro de Jordan, o parceiro Scottie Pippen e o técnico Phil Jackson eram todos incertos.

O diretor Jason Hehir faz uso de pistas visuais e uma linha do tempo deslizante na tela para reorientá-lo continuamente para onde você está na história. E é eficaz em contar a história daquela última temporada e voltar no tempo, repetidas vezes, para revisitar a história até esse ponto. Mas suspeito que haverá pessoas que podem se frustrar com tantas viagens no tempo, pois existem personagens em comum nas duas linhas do tempo em que num período é adversário e no outro é aliado (como no caso de Rodman).

No centro do documentário, do Bulls e, de certa forma, no centro do mundo, especialmente por volta de 1993, está Michael Jordan. Jordan sempre foi onipresente e um pouco esquivo. Essas são de longe as entrevistas mais envolventes e aparentemente sinceras que ele já concedeu; ele deu aos cineastas muito tempo para conversar sobre tudo, desde suas tensões com Isiah Thomas até a morte de seu pai.

Aliás, o atrito entre os Bulls e o Detroit Pistons do início dos anos 90 – especialmente Thomas – é um dos contos mais suculentos que surgem desde os primeiros anos de domínio dos Bulls. Alguns documentários que falam de antigas rivalidades esportivas mostram ex-atletas enterrando a suas mágoas ou, pelo menos, encontrando algum humor delas. Este não é esse tipo de documentário. Jordan não parece ter perdido um pingo de ressentimento quando se trata de Thomas, e os cineastas oferecem algumas evidências artisticamente apresentadas de que ele tem boas razões para permanecer frustrado.

As técnicas de entrevista aqui são muito inteligentes;Especialmente da decisão de, às vezes, deixar que o sujeito da entrevista veja as imagens do que outra pessoa já disse. Às vezes você recebe uma irônica “risada” de Jordan que ridiculariza a versão de outro jogador que talvez tivesse superado Jordan em algum momento. Ele garante que isso nunca aconteceu. Nunca. Jordan se mostra bastante orgulhoso e rancoroso de seus adversários que lhe desafiaram na sua carreira.

De fato, um dos tópicos mais convincentes de The Last Dance é a linha tênue entre o impulso competitivo incomparável de Jordan – ao qual todos atribuem grande parte de seu sucesso – e seu estilo de liderança que hoje em dia seria inaceitável. Mesmo no auge de seus poderes, ele não suporta que alguém se comparasse casualmente com ele, de forma alguma! E para que sua singularidade não fosse maculada, estava disposto a cobrar de seus companheiros o mesmo que o próprio entregava em quadra: excelência. À base de muita ética de trabalho, bulling e até agressões. 

Parece importante que The Last Dance não pareça construído para mudar a opinião de alguém sobre Jordan, para melhor ou para pior. Ele volta repetidamente a seu talento extraordinário, sua ética de trabalho, sua proximidade com a família e sua versão da liderança, e suas polêmicas. Neste último ponto o documentário tocou em dois momentos sensíveis a Jordan. Sua negativa de apoiar um candidato negro que disputava eleição com um candidato racista na Carolina do Norte; e seus problemas com apostas. Incluindo as teorias de que sua aposentadoria e assassinato de seu pai tivessem correlação com o vício nas apostas. Se por um lado a série tem coragem de tocar nesses assuntos, por outro lado sempre dá direito ao Jordan dar a última palavra sobre tais temas. É até compreensível pois a série só foi feita depois do crivo de Jordan, que detinha os direitos de imagem, mas mesmo assim a série deixa momentos em que podemos interpretar certas atitudes (como na disputa da moeda na parede com o segurança). 

Mas a série não deixa de lado o resto da equipe. Pippen, Toni Kukoc, Phill Jackson e Dennis Rodman tem seus momentos no documentário. Coadjuvantes, como quando entravam em quadra ao lado de Jordan, mas ainda assim importantes. A maior questão em aberto de The Last Dance é o que seria necessário para montar uma equipe tão dominante nesse período. Você poderia manter os caras juntos por tempo suficiente? E aqui entra a certa “vilania” do general manager Jerry Krause. O mesmo homem que foi responsável por montar um timaço, que todos elogiam à base de recursos que todos criticam (como o contrato de Pippen), é também o responsável pelo seu desmonte em 1998. Na série não explica muito as intenções de Krause àquilo, em momentos parece por motivos de ego e vaidade, mas a direção se abstém ainda mais em extrair informações do dono e mandatário do Bulls Jerry Reinsdorf. Talvez por Krause já ter falecido em 2017 a linha editorial da série tenha ido no caminho de eleger um “vilão” que não pode mais “reclamar”.

De toda maneira a série foi um excelente entretenimento para quem gosta do esporte ou para quem ao menos conheceu a fama de Michael Jordan. Tem problemas que já citei no texto, mas também conta com excelentes momentos do basquete, de seu maior astro e de uma das décadas mais interessantes que tivemos.

Publicidade
Share.
Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

Exit mobile version