Aqui no Brasil a saga da Ciclo Herança não é tão popular quanto Harry Potter, Senhor dos Anéis e outras sequências de livros de caráter fantástico, mas nos EUA e na Europa os quatro livros da saga de Eragon são bem populares e, em até certo ponto, referencia no gênero. Muitos devem ter algum conhecimento prévio dessa história através da adaptação cinematográfica que foi lançada em 2006 com o título Eragon, o mesmo nome do primeiro livro. O longa não vingou como franquia e nem chamou a atenção do público, fazendo muitos ignorarem a obra original. Será que ela vale a pena apesar da fraca versão para o cinema?

Publicado em 2002 sob a autoria de Christopher Paolini, o livro Eragon inicia a história do protagonista homônimo que acha uma rocha azulada durante uma de suas caças. Ele leva o estranho artefato para casa até que ele se revela um ovo de dragão. Assim, se inicia uma jornada do jovem que descobre um mundo governado por um terrível rei e um legado de cavaleiros e dragões numa batalha por poder e magia.

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 Para quem já está familiarizado com mundos de fantasia, o primeiro livro desta saga não pode ser tão chamativo, pois ele segue a clássica jornada do herói. O jovem fazendeiro que na verdade está conectado a um grande destino e descobre um velho sábio que o ensina sobe o seu lugar no mundo, além do resgate a princesa e o inimigo extremamente poderoso e indescritivelmente mal. Então o que fez esse livro ser tão amado?

 Mesmo que se paute num conceito batido, ele é feito com extremo cuidado e carinho e recheado de outros conceitos muito interessantes para os amantes do gênero.  Christopher Paolini consegue pegar coisas clássicas como magia, dragões, elfos e anões de forma única e rapidamente cria um mundo muito particular, mesmo que ele seja habitado por coisas cotidianas no imaginário de fantasia medieval. O autor não tem medo de criar uma lógica própria e complexa onde é necessário que o leitor esteja empenhado em entender esse mundo da mesma forma que o seu protagonista. Para quem gosta de obras clássicas como Senhor dos Anéis, esse esmero na criação de mundo é muito bem vista e apreciada. Logo você se vê imerso e adorando aquela nova realidade e deseja sempre saber mais sobre ela.

 Livros desta natureza sempre tendem em sofrer em adaptações, pois seus detalhes (às vezes o grande charme da obra) se perdem na tela. E foi justamente o que aconteceu neste caso. Se você gosta do gênero fantasia medieval, eu sugiro que pare de ler esse texto e vá atrás da saga da Ciclo Herança, pois certamente não vai se arrepender. Se já leu ou viu o filme, continue, pois vou discutir e tentar entender porque essa adaptação fracassou e não fez frente ao livro.

  Quando vemos os principais nomes envolvidos no projeto do filme de Eragon, logo vemos o que deu errado. Adaptar uma obra naturalmente complexa é uma tarefa árdua para qualquer diretor e roteirista, e quando tal trabalho é dado para pessoas que não possuem talento ou paixão pela obra original, a tendência é ter um filme sem graça. Sinto que foi exatamente isso que aconteceu com esse caso.

 Stefen Fangmeier tem uma carreira incrível de técnico de efeitos visuais e trabalhou em grandes produções. Foi até indicado a Oscars nessa área. Eragon foi seu primeiro ingresso no mundo da direção, e o último também. Na adaptação do livro para o roteiro, temos o nome de Peter Buchman, que escreveu dois livros sobre Che Guevera e a história de Jurassic Park III (que sabemos que é bem ruim). Esses são seus únicos trabalhos no mundo do cinema. Uma obra complicada como Eragon não pode ser colocada sob a tutela de pessoas com pouca experiência como essas. Entretanto, eles poderiam ser completamente apaixonados pelos livros e estar dispostos a fazer uma grande adaptação, mas quando vemos o filme, percebemos que não é o caso.

Fica claro um desinteresse na história em si quando percebemos a enorme simplificação da trama para a tela. No roteiro, temos basicamente o malvado rei e os rebeldes de Varden, que são os bonzinhos. Comparados ao livro, isso chega a ser risível, pois este mundo é muito mais complexo do que isso. Parece que não existe um entendimento geral de como esta realidade funciona. Isso fica claro na figura de Saphira (a dragão) e Brom (o velho sábio). A dragão já atinge a forma adulta e sabe de coisas que ela jamais poderia ter conhecimento. Coisas de antes dela nascer. E Brom muda de personalidade o tempo todo e mantém uma postura que nem faz sentido com sua história. Murtagh possui uma história interessantíssima e no filme fica tão deslocado que chega a ser ridícula sua participação, beirando ao sem sentido completo. Arya sai de uma guerreira para uma mocinha em perigo e maternal. O povo de Varden se resume a “aqueles caras que vivem na montanha e são bonzinhos”.

 Outro problema grave do filme é ter atores bem ruins. Ed Speleers faz o protagonista e esse é o seu primeiro trabalho como ator no cinema e na TV. Claramente um passo muito grande para alguém que estava começando. Sua atuação não consegue comportar a típica jornada do herói e parece haver uma dificuldade nos momentos onde ele precisa interpretar com figuras digitais. O ótimo ator Jeremy Irons mais uma vez faz um péssimo papel num mundo de fantasia (lembra-se do Dungeons & Dragons?) e recorre ao lugar comum do arrogante e superior que nem combina com o arquétipo de velho sábio. Robert Carlyle faz o vilão principal deste primeiro filme, um Duzal completamente genérico e sem graça.

É até um pouco chocante como fica claro que eles não entenderam o mundo criado por Christopher Paolini. Os urgals, por exemplo, são humanos e não os monstros aberrantes que são uma ameaça constante. Personagens falam coisas que não poderiam saber e outros são colocados na trama mesmo que não faça sentido. Para quem leu o livro soa como “olha lá eles tentando encaixar aquela figura no filme e ficando algo bizarro”. Isso se coroa no clímax do filme quando temos um dragão de fumaça, algo que não faz sentido nesse mundo. É evidente que foram os executivos falando “imagina uma luta de dragões no final. Vai ser um máximo.

Dane-se que isso não fará sentido no escopo geral”.

Tudo é apresentado de forma incrivelmente corrida. Uma trama que claramente não cabia num filme, pelo menos não num de uma hora e quarenta minutos, e que precisava de muito mais paixão em sua adaptação. Não deixe que o filme de 2006 te afaste e te impeça de conhecer os livros. Eles são muito bons e vão fazer por merecer o espaço na sua estante.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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