Harry Potter foi uma febre sem precedentes. Hoje já não possui tanta força, mesmo tendo livros e filmes desse universo ainda sendo lançados, mas poucas coisas vão se comparar a esse fenômeno literário da virada do século. A saga de Harry Potter, junto com Desventuras em Série, foi responsável por reascender o gênero “livro infanto-juvenil”.  E se existiu algo em que J.K Rowling foi bem sucedida foi reviver esse gênero que é um dos mais rentáveis no mercado editorial hoje em dia. Certamente que os filmes ajudaram, em muito, a expandir essa popularidade que levou muitas pessoas a conhecerem o livro após se apaixonarem pelos longas. Acho que somente o lançamento de um novo livro de Guerra dos Tronos gere uma comoção parecida hoje em dia, mas mesmo assim não é tanto quanto eram os lançamentos de livros do Harry Potter. Para fazer um pequeno retorno a essa saga que marcou em pedra seu espaço na cultura mundial, vamos fazer uma sequência de textos comparando os livros e suas respectivas adaptações.

O primeiro livro Harry Potter e a Pedra Filosofal possui duas funções. Apresentar todo o universo mágico e criar uma pequena trama para desenvolver os personagens principais. Ambas as coisas são muito bem feitas. É impressionante o quanto J.K Rowling já possuía um universo altamente intrincado para um primeiro livro não muito grande. Ela consegue criar o mundo mágico nos detalhes e quando você menos percebe já está completamente imerso. Sabemos que certas incoerências surgiram ao longo dos sete livros, mas, ainda assim, é impressionante o controle que ela possui da própria criação que claramente se expandiu muito além do esperado.

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Muito se fala de como o teor e a escrita das histórias foram melhorando gradualmente, mas acho que até o primeiro livro já possui uma camada sombria que se mostra nas pequenas coisas. Um exemplo simples é quando o primo de Harry acaba sofrendo uma pequena magia e cresce um rabo de porco em seu corpo, que precisa ser arrancado cirurgicamente. São esses detalhes que já demonstram que o mundo bruxo tem seu lado sombrio. Até mesmo o momento em que Harry encontra o unicórnio morto tendo seu sangue sugado é criado no livro uma imagem bem aterradora.

No filme toda essa camada mais sombria acaba sendo um pouco suavizada, o que não é algo ruim. Talvez numa obra audiovisual seja até melhor manter essa unidade de tom para que a história não pareça flutuar do infantil para o dark de um minuto para o outro. No livro essa variação de momentos ocorre muito melhor. Por outro lado, a identidade visual criada para os filmes traz um pouco dessa carga sombria, o que é natural, pois estamos lidando com bruxas, fantasmas e monstros. Na verdade a coisa mais impressionante deste filme é como ele dá forma física para o mundo pensado por Rowling. Um trabalho que pode ser comparado, nesse sentido de fidelidade visual, com as adaptações cinematografias de Senhor dos Anéis.

Mas, voltando à ideia do filme transformar os elementos sombrios em coisas mais cômicas, os tios de Harry são o maior exemplo disso. No livro eles são seres completamente detestáveis e é impossível passar pela leitura do primeiro livro sem odiá-los completamente. A saída que a direção teve foi guiar os atores que fazem a família trouxa de Harry para puxarem a personalidade dos personagens para algo mais patético, mas mantendo a crueldade deles. Isso ocorre ao longo do filme todo para suavizar um pouco o impacto de algumas cenas que poderiam ficar tensas demais para um filme declaradamente infanto-juvenil.

Essa visão de cuidado com o tom foi do diretor Chris Columbus, que foi um nome perfeito para cuidar dessa habitação que mexe com crianças bem mais novas. Ele também foi o diretor de Goonies, Gremlins, Esqueceram de Mim (tanto o primeiro quanto o segundo). Ele é mais do que gabaritado para cuidar desse estilo de filme infantil e de fato, fez muito bem.  Mas não se encante muito, pois ele também tem no currículo a adaptação do Percy Jackson e o Ladrão de Raios, talvez uma das piores adaptações literárias deste gênero. Outro nome fundamental para a construção desse universo é a fantástica trilha sonora de John Williams que criou um tema que define toda a saga. Temos um podcast só sobre esse ícone das trilhas sonoras, só clicar aqui e conferir.

Agora vamos ao desenrolar da história em si. O roteiro adaptado é extremamente fiel tendo até uma boa quantidade de falas tiradas diretamente dos livros com precisão. Os eventos em si sofrem poucas alterações e vamos a algumas delas: o fantasma Pirraça é completamente eliminado da trama, nada que faça muita diferença para esse livro/filme. Um detalhe curioso é que o fantasma da Grifinória é feito pelo icônico Jhon Cleese. A trama do dragão do Hagrid é completamente encurtado que, por consequência, acaba cortando e muito a participação de Neville, tirando um pouco o sentido dele ganhar os últimos pontos na conclusão do terceiro ato. A forma como o trio descobre a identidade do criador da pedra filosofal também é encurtada e é feita de forma que reforça a personagem da Hermione. O filme também não demora tanto quanto o livro para formar o trio Rony, Harry e Hermione.

Um detalhe importante que deve ser dito aqui é que este filme é de 2001, ou seja, os efeitos digitais dele envelheceram muito mal. Um momento que exemplifica isso é a luta contra o trasgo no banheiro. Os bonecos digitais que são usados diversas vezes ficaram muito ruins depois de mais de dez anos de evolução de efeitos digitais. Mas nada que destrua o filme, você só tomará um susto vez ou outra quando perceber que os atores foram substituídos por bonecos borrachudos. Outras mudanças interessantes estão no clímax do filme, como o desafio das chaves voadoras que é intensificado e o desafio das poções que é completamente eliminado.  Harry também recebe uma proposta de se juntar ao “lado sombrio” e chega a relutar por um segundo quando Voldemort oferece o retorno de seus pais. Algo que não ocorre no livro, mas no filme serve para um crescer do suspense final.

Sei que esse detalhamento das mudanças que eu fiz pode dar a impressão de que esse é um filme pouco fiel a história original, mas pelo contrario. Esse filme é incrivelmente parecido com o livro e as mudanças de eventos servem para deixar o roteiro mais redondo, algo necessário para a mídia audiovisual.  As mudanças são tão poucas que posso enumerá-las sem gerar um texto gigante. O trabalho de criação de mundo é impecável, assim como a ótima direção de Columbus que realmente entendeu a proposta. Um ótimo filme para um ótimo livro e que ajudou a iniciar uma das maiores sagas de fantasia da virada do século.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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