Fundindo de forma nova dois conceitos conhecidos, A Autopsia surpreende pela boa e nova sensação de mistério e suspense no espectador em seu início. A sensação estranha da visceralidade sem culpa de uma autopsia, aliada com o crescente mistério sobre o corpo de Jane Doe, uma estranha encontrada morta no porão de uma cena de crime, que possivelmente pode ser agente de algo sobrenatural, é algo diferente. Porém tal dualidade se transforma em um enredo bipolar que transita do suspense investigativo para o horror batido, assim como do inovador para o clichê.

Corpos violentamente assassinados pela casa. Polícia. Um corpo feminino intacto, achado enterrado sob o porão desta mesma casa. Com esta cena hedionda e inconclusiva temos o início do plot. Para auxiliar na investigação, o Sheriff Sheldon (Michael McElhatton) entrega os corpos a dois técnicos legistas responsáveis por um necrotério em uma cidade do interior dos EUA para descobrir a causa das mortes. Tommy (Brian Cox) e o filho Austin (Emile Hirsch), um experiente legista que ensina o trabalho familiar pouco comum para seu filho, em seu necrotério particular no porão de sua casa. Porém a autopsia de Jane Doe (nome dado a corpos de pessoas desconhecidas, algo semelhante ao “zé ninguém”), vai muito além de tudo o que a grande experiência de Tommy já fizera antes, e a cada descoberta, o mistério aumenta.

O diretor norueguês da fantasia dark, Trollhunter, André Ovredal envereda mais profundamente no campo do suspense e terror. Com bons enquadramentos, Ovredal sempre deixa bem claro que o nosso foco é o corpo da desconhecida, a todo momento somos levados encarar seus olhos nublados e seu corpo nu fantasmagórico. A narrativa que o roteiro impõe é simples: duas pessoas e um corpo sendo analisado. Para tentar dar mais profundidade aos personagens, é homeopaticamente revelado o drama recente vivido por pai e filho: a perda da mãe. Porém este fato pouco acrescenta à trama, não constrói trauma ou relação pai e filho, nem proporciona algum momento catártico ou de redenção para ambos. O espectador acaba nutrindo uma lacuna em branco, esperando por revelações, em vão. Ok, um problema. Mas o mistério do corpo se apresenta maior que toda essa relação familiar, então este ponto não chega a comprometer o filme.

A Autopsia conta com um suspense diferente e marcante em sua primeira metade. Ver algo invasivo e visceral como uma autopsia num corpo intacto de uma mulher e a angústia criada por suspeitarmos de que não seja um cadáver qualquer: Articulações quebradas, pulmões enegrecidos, órgãos marcados por cicatrizes, porém com sua fisionomia externa intacta. Cada descoberta instiga o espectador em descobrir o mistério do corpo. Porém a abrupta mudança do algo mais científico, para algo mais místico, faz com que o filme não construa aquela sensação de que estamos nos deparando com uma situação realmente perigosa ou macabra. Em um momento estamos acompanhando o que tem dentro do intestino do corpo e no momento seguinte as luzes explodem, e dá-se início a uma série de clichês de filmes de terror.

A Autopsia vira um misto de conceitos pouco aprofundados, Numa escalada de uma investigação técnica e científica para bíblia e cultos de Salém. Se antes estávamos numa gradação do suspense, analisando quase que de forma forense o corpo (apesar de ser bem raso cientificamente), agora somos jogados em corredores escuros com presenças estranhas, pés de baixo da porta e olhares pela fresta da fechadura. O filme que construía um bom suspense de baixo orçamento, se rende ao terror comum e batido. Um misto de surpresa e decepção, que transforma uma jornada promissora em uma viagem sem muita recompensa para o espectador.

 

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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