Muito se fala da database da Netflix, a reunião de dados dos consumidores da plataforma que consegue traçar preferências, gostos e gêneros de filmes que seus consumidores mais gostam. Além disso, temos as próprias notas que cada um pode dar em seu perfil. As séries da Netflix logo ganharam espaço como uma das mais faladas dentro da mídia e começou a se criar a lenda urbana de que existe um grande computador que define como as produções serão de ponta a ponta. Tal ideia sempre volta à tona a cada nova temporada de Stranger Things e foi justamente essa produção que massificou a lenda do super computador. Entretanto um dos últimos longas faz pensar se a produtora realmente está começando a forçar seus criadores a enquadrar suas ideias baseados nos dados de consumo de seus assinantes.

Cole é um nerd típico que, apesar de já ser um adolescente, ainda vive acompanhado de sua babá. O que poderia ser um motivo de gozação absurda de seus amigos na verdade se transforma em inveja, pois a babá é uma fantasia juvenil materializada. Mas quando é revelado que ela é praticante de rituais satânicos, que envolvem sacrifício humano, Cole precisa enfrentar sua paixão platônica.

O filme por si só já é uma espécie de piada referencial. Uma comédia de humor negro que faz piada com os filmes de terror gore e de assassinos que sempre envolvem adolescentes bem apessoados. Uma ideia muito interessante do roteiro de Brian Duffield, que consegue criar situações tensas seguidas de situações cômicas realmente boas. Toda a ideia é bem divertida e poderia proporcionar uma paródia inteligente. Mas existem alguns pontos neste roteiro que são problemáticas e que dão a sensação de um dedo de produtora forçando um formato.

A febre das referências começou a se tornar realmente forte com os fãs de quadrinhos decifrando os pequenos segredos escondidos na produção da Marvel. Geralmente os filmes de franquias começaram a se auto-homenagear para que os fãs brincassem de caça ao tesouro na internet. Uma ideia divertida e inocente que gerava um entretenimento a mais para os fãs. Com a chegada de Stranger Things a coisa vai para um novo nível. De uma hora para o outra os fãs esquecem-se de assistir a obra e passam mais tempo disputando quem viu mais referência. Uma verdadeira masturbação cinematográfica que deixou de ser divertidas para inflar o ego dos cinéfilos e fazer eles se sentirem inteligentes. Não estou dizendo que esse é o objetivo de Stranger Things, mas infelizmente muitos do que o assistem caíram para esse lado. A Babá parece querer pegar exatamente esse público e se apoia de mais nisso que deveria ser só um detalhe no filme, não o prato principal.

Não existe praticamente nenhuma cena do filme que passa sem uma referência a outra obra. A personagem da babá é uma maquina que só conversa usando conceitos da cultura pop com o personagem Cole. Por sorte os dois atores são excelentes e entregam com qualidade essas falas, que acabam não parecendo forçadas. O filme atira para tantos lados em termos referencias, vão de Poderoso Chefão até Jason. Talvez isso não fosse tão ruim se fosse algo particular de Cole e a babá, mas todos os personagens parecem ser cinéfilos, até o jogador musculoso de futebol americano. O desespero é tamanho que personagens continuam soltando referências mesmo quando estão prestes a morrer.  

E para piorar quase todas as citações e referências são explicadas reforçando a ideia de que as pessoas adoram falar de referências mesmo que não entendam de onde elas vêm. O desespero só aumenta quando reparamos que para se enquadrar no próprio formato que a Netflix criou que toda a estética de A Babá fosse uma reprodução dos anos 80, mas o filme se passa nos dias atuais o que gera uma sensação de anacronismo (no mal sentido). Cole é o típico nerd que sofre com um valentão da escola e todos se vestem como se tivessem saído do clip Physical, mas isso não faz sentido com o próprio roteiro, já que seu protagonista claramente vive um sonho de qualquer moleque de treze anos. Vive com uma babá saída de um filme pornô com a mente de um amigo da sua idade, flerta com a amiga de colégio e tem dois pais super divertidos. Ainda querem que nos sensibilizássemos quando ele chora e fala que se sente deslocado.  

Por outro lado esse filme se torna agradável de assistir devido a ótima direção de McG (que também dirigiu Guerra é Guerra, O Exterminador do Futuro: A Salvação e a franquia das Panteras). Seu estilo fica bem claro neste filme que pedia uma estilização mais forte para nos fazer acreditar neste mundo cheio de absurdos narrativos. Hora temos visões em primeira pessoa, planos sequências de perseguição, letras pipocando na tela para ilustrar diálogos (algo semelhante ao que foi feito Scott Pilgrim Contra o Mundo) além dos clichês estilísticos, porém necessários aqui; como câmera lenta sensual e violência extrema. Se não fosse o trabalho dele além do ótimo trabalho dos dois atores principais o filme poderia ter virado um desastre. É necessário um estilo mais energético para uma história com um tom mais puxado para o absurdo. Além disso, ele consegue criar genuínas situações de tensão que até fazem prender a respiração que são acompanhadas por viradas de situação do roteiro igualmente boas.

Uma ideia boa, divertida e que já ia fazer um monte de homenagens naturais a um estilo específico de filmes. Acho que esse filme é o primeiro grande exemplo de que a Netflix se tornou uma produtora como todas as outras e que estranhamente parece subestimar seu público ao achar que ele está mais preocupado em bater palminhas toda vez que um personagem fala de um filme que ele conhece ou já ouviu falar. Por outro lado a culpa é nossa também que transformamos uma brincadeira numa disputa intelectual idiota com todos os filmes e seriados.

Publicidade
Share.
Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

Exit mobile version