O Massacre da Serra elétrica de 1974 foi uma revolução no gênero terror no cinema. Um filme de baixíssimo orçamento que levou a violência e o medo a níveis nunca antes imaginados. Baseado num assassino real (que na verdade inspirou quase todos os filmes sobre psicopatas) o Massacre da Serra Elétrica era um ponto fora da curva que poderia ser um caso curioso na cinematografia mundial. Se antes os filmes de terror trabalhavam com o sobrenatural ou alienígena, agora se mostrava uma nova possibilidade: o ser humano é o grande monstro. Mas quem realmente pegou esse conceito e o solidificou foi John Carpenter.

ichael Myers assassinou sua própria irmã em sua infância e desde então foi trancado num hospital psiquiátrico para ser estudado por um psicólogo. Quando atingiu a idade adulta ele escapa de seu cativeiro e vai repetir o ciclo de assassinatos que de alguma forma está relacionado ao seu antigo bairro e ao Halloween.

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Quem assiste a esse filme hoje talvez sinta certa dose de decepção. Justamente por esse filme ter sido a base para todo o terror baseado em psicopatas. Ele pode não parecer inovador diante de olhos mais acostumados com películas desta temática, Mas na verdade este é mais um dos casos de obra que gera os clichês e quando é revisitada parece ser ó mais um clichê. Mas porque esse filme é tão marcante e considerado um dos melhores no quesito terror?

No mundo de diretores que configuram a lista de melhores muita gente acaba esquecendo o nome de Carpenter, talvez pelo fato de sua produção ser quase que totalmente vinculada com o terror e a ficção cientifica.  Em alguns casos suas obras são até considerados trashs como “Aventureiros do Bairro Proibido” e “Fuga de Nova York”. Entretanto quem vê Halloween com atenção vai perceber que Carpenter é um grande diretor.

Primeiro vamos a sua construção do personagem do assassino. A primeira cena do filme é uma longa sequência em primeira pessoa revelando que um casal de adolescentes está sendo espionado por alguém. Vemos todo o assassinato em primeira pessoa e logo depois nos é revelado que estávamos acompanhado o olhar de uma criança. Somente com a primeira cena do filme o roteiro (de Carpenter e Debra Hill) já mostra que este assassino é naturalmente maligno, enquanto a direção revela tudo isso de forma extremamente impactante. Mais tarde o roteiro reforça essa ideia com a fala do psicólogo: “Eu olhei para os olhos dele e percebi que atrás deles só havia o puro mal”.

Para corroborar a ideia de um ser humano feito de puro mal que só deseja matar é preciso mostrá-lo desta forma. Todas as suas atitudes precisam transparecer isso. Justamente por isso o vilão nunca corre e nunca fala para criar essa aura que beira ao inumano. Consegue se lembrar de outro personagem de filme de terror que é exatamente assim? Entretanto a história sabe que para construir essa ideia é preciso criar expectativa. O bom terror sabe ir criando um clima de tensão constante até que finalmente a ação comece. Para isso temos um ser que persegue sua vítima, mas nunca revela o seu rosto, mas parece estar sempre espreitando em todos os lugares a todo o momento. A tensão é como um balão de ar que vai enchendo até seu limite e quando estoura temos o clímax da história.

Outro conceito que esse filme ajudou a fundamentar é justamente boa parte da ideia que o terror dos anos 80 se baseou. Um grupo de adolescentes fornicadores, maconheiros e que bebem são brutalmente assassinados por uma forma moralizadora. Entretanto aqui isso é bem mais sutil e nem tão conservador quanto mais tarde essa ideia se tornaria. A ideia de uma franquia infinita também ocorreu assim como se deu com Jason e Freddy.

Sua iconografia também é bastante simples, entretanto marcante. A máscara branca consegue assustar justamente por passar a ideia de um ser frio e sem emoção alguma. O curioso é que tal máscara surgiu a partir da descolorização de uma máscara do William Shatner, ou melhor, do seu icônico personagem Capitão Kirk. A ideia da máscara assustadora é mais antiga do que o próprio cinema, então é difícil dizer que foi esse filme que inaugurou essa ideia, e mesmo assim O Massacre da Serra Elétrica já usava a ideia da máscara para criar um personagem visualmente marcante.

Curiosamente Jason acabou se tornando o símbolo máximo dos filmes de terror com adolescentes, enquanto Myers acabou se tornando “o outro psicopata” mesmo que tenha sido ele a realmente criar as bases dos quais o filme do Jason bebeu. A franquia em si não teve uma vida tão longa em termos de qualidade, sendo somente o primeiro como o verdadeiramente lembrado. Não é por acaso que o próprio Carpenter nunca mais dirigiu nenhum filme da franquia, mas participou dos roteiros das continuações junto com Debra Hill.

Uma curiosidade extremamente divertida é o fato de que sem pudor nenhum Carpenter coloca diversas cenas do antigo filme do “Enigma de Outro Mundo” dos anos 50, que mais tarde, em 1982, seria refilmado pelo próprio Carpenter e se tornaria um dos filmes de terror mais impactantes da década; até hoje é um clássico absoluto. Assistir Halloween hoje é retornar a origem deste gênero de terror que ficou incrivelmente desgastado nas duas décadas seguintes. Tão desgastado que hoje em dia ele é mais revisitado como paródia. Também é uma verdadeira aula de como criar expectativa e construir um vilão no imaginário do seu espectador  somente com falas pontuais e cenas simples de suspense, que fazem a mente de quem assiste preencher as lacunas de forma subjetiva, pois o que dá mais medo é justamente não entender exatamente o que é Michael Myers.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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