Antes de começar, eu preciso dizer que essa crítica será feita por alguém que cresceu lendo a saga dos irmãos Baudelaire e tudo que possuía o nome de Lemony Snicket (o personagem autor de Daniel Handler). A opinião que formamos sobre alguma coisa leva em conta toda a experiência que tivemos ao longo de nossa vida, pois é justamente daí que nasce o senso de comparação. Para mim seria impossível assistir a série da Netflix sem comparar com todos os quatorze livros da saga que li ao longo de minha vida.

Sempre julguei que as Desventuras dos Baudelaire eram extremamente difíceis de se adaptar devido a uma série de motivos. O primeiro deles é entender e emular o senso de humor específico que os livros possuem, uma certa depressão irônica cheia de crítica ácida. A série tenta emular tal clima, acertando em alguns momentos, mas fracassando na grande maioria. Das várias mensagens que os livros passam, a principal delas é mostrar como o “mundo adulto” é repleto de hipocrisias e burocracias inúteis, algo que até os episódios conseguem passar, mas fazendo uso de uma extrema galhofa que não encaixa em todo o resto. Um humor exagerado é usado para criar esse mundo, que é o extremo oposto do humor soturno, sutil e triste que temos nos livros.

O que mais me surpreendeu foi saber que o próprio Daniel Handler está envolvido em todos os episódios no que diz respeito a roteiro, pois dá a impressão de que o mesmo conseguiu esquecer o clima de sua própria obra. Parece que existe um grande exercício em tornar a série cômica por um viés mais caricato e infantil. Olaf deixa de ser um vilão completamente maligno e se torna um tanto bobo e idiota. Só realiza suas maldades devido a incompetência dos outros adultos, e não por que ele é de fato muito cruel (apesar dos adultos serem, de fato, idiotas). Os dois atores que fazem os irmãos, Malina e Louis, se mostram muito apáticos e só mostram a que vieram do meio da temporada para o final.

Visualmente a série não falha, mas isso não é um grande mérito já que a péssima adaptação para o cinema já havia acertado nesse quesito também. O que de fato foi o maior erro dessa série foi a fracassada direção de atores, pois é evidente que não sabem que tom os episódios devem ter. Muita gente grita, fala muito, se repetem diversas vezes, além de muitos momentos ter falas que simplesmente não condizem com a cena. Neil Patrick Harris tenta de tudo com o Conde Olaf, o que é uma pena, pois ele é um grande ator, mas que nesta produção não conta com bons diretores para guiá-lo.

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Devido ao formato é possível ser muito mais fiel à adaptação da obra original, mas mesmo assim acréscimos desnecessárias ocorrem no Desventuras em Série da Netflix.  Da mesma forma que existe um uso excessivo do personagem Lemony, que também só encontra seu rumo nos últimos episódios. De modo geral a série só ganha corpo e coerência interna em seus dois últimos capítulos, porém existe muito potencial caso a produção consiga decidir sua proposta. Espero que optem por algo mais soturno e sombrio, pois, levando em conta os eventos dos próximos livros, será necessário enveredar por esse caminho.

O maior acerto da série é mostrar o universo da grande conspiração que envolve toda a trama. Isso é feito muito bem. Porém espero que eles mantenham as mesmas resoluções dos livros, pois isso seria realmente inovador no campo da televisão. Apesar desta temporada ter me decepcionado, principalmente por que o próprio autor estava roteirizando, espero que a série realmente entenda a sua proposta e se atenha mais aos livros que já são suficientemente complexos e não necessitam de mais acréscimos, que só atrapalharam o que já é complicado.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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