Desde quando foi anunciada a produção de um filme live-action de Death Note muitos se alegraram com a notícia. A ideia de que um dos animes/mangá mais inteligentes e cultuados de uma era seria adaptado pela “a” produtora do momento, Netflix, agradou muitos fãs pois parecia que era uma combinação perfeita, como unir o queijo com a goiabada: Uma história sensacional sendo contada por quem sabe contar uma história. Porém, caro leitor, a adaptação de Death Note feita pela Netflix é uma das piores coisas que você verá no ano.

Mas vamos começar do início de tudo, até para eu tentar amenizar um pouco esse impacto negativo da cabeça. Death Note teve seu mangá publicado de 2003 a 2006 e anime produzido entre os anos 2006 e 2007, uma história considerada bem ímpar em sua época, pois conseguiu trazer uma trama interessante e altamente inteligente no meio de tantas outras produções padrões shonen (mangás para o público jovem), chegando até ser confundido com uma produção seinen (mangás para o público adulto). Ou seja, era algo que realmente mostrava um diferencial em seu meio. E esse diferencial vinha de seu enredo: “Raito” (Light), um adolescente com inteligência muito acima da média, acha um Death Note (Livro da Morte), uma relíquia passada por um Shinigami (deus da morte japonês) em que qualquer pessoa que tenha o nome escrito nele morrerá, desde que quem escreveu tenha em mente o rosto de seu alvo.

Com este poder na ponta da caneta, Raito não só vê uma grande oportunidade de fazer justiça com as próprias mãos, como também ascende nele a ideia de que poderia criar um mito, um deus que não decepcionaria as pessoas, uma divindade que traz justiça aos injustos, um deus chamado “Kira”. Logo Raito põe suas ideias em prática, fazendo o mundo louvar a justiça “divina” de Kira, porém também chama a atenção de “L”, o maior detetive do mundo, que fica obcecado por desvendar quem é a pessoa por trás desse “deus”. A partir deste momento o anime é um misto de tensão e ansiedade com tramas investigativas construídas com ótimo esmero, altamente entrelaçadas com uma grande variação de quem é o investigador e quem é o investigado. Uma perseguição de ideias, um está sempre querendo estar um passo na frente do outro. E do mesmo jeito que o espectador se coloca na pele de um deus poderoso, coloca-se também nos pés de um humano impotente, e assim o anime brinda-nos com vários momentos catárticos dentro desta narrativa.

Esta adaptação da Netflix dirigida por Adam Wingard não entrega sequer um mero rascunho da trama original. Podendo ser considerada um insulto ao criador do mangá, Tsugumi Ohba, em diversos níveis. É verdade que as adaptações de animes sempre sofreram quando caíram em mãos “hollywoodianas”, mas nesse caso chegamos a um outro nível de decepção. O longa Death Note consegue não só fracassar como um filme, mas falha miseravelmente no engendramento da trama e deturpa de maneira nociva e inconsequente a essência de personagens fundamentais. Deixando qualquer pessoa com um gosto amargo na garganta.

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A trama é fracamente construída até pra quem já conhece a história. A produção da Netflix demonstrou preguiça e falta de tato para ao menos situar o espectador casual o que seria um “Deus da Morte” no contexto do filme. Prestando um desserviço ainda maior nas motivações dos personagens, tudo à base de canetadas. Não há coerência em diversas atitudes tomadas ao longo do filme por quase todas as figuras mostradas. Por que existe esse senso de justiça em “Light”? Por que ele quer se tornar um deus? Como L investiga e tira suas conclusões? Não há respostas e nem sentido para estas e outras questões que surgem ao longo do filme, pois não existe construção de personagens ou de narrativas para tal. 

Falando em personagens, eis um outro fator preponderante para este filme ser uma monstruosidade para quem leu o mangá ou assistiu o anime. Wingard e seus “bluecaps” deturpam qualquer alusão, insinuação, referência ou ligação com os personagens do anime. E claro que não falo isso tomando por base apenas os atributos físicos diferentes entre eles, aliás, eu estava até curtindo esse quesito da adaptação americanizada nos primeiros 10 minutos do longa. Porém a essência, a mente, as características, a personalidade dos protagonistas, passaram longe de serem lembradas. Chegando ao ponto de representarem o “L” (Keith Stanfield) agressivo e inconsequente e Light (Nat Wolff) passional e péssimo estrategista. Quando vemos que  Light era mais inteligente que a média porque fazia o dever de casa dos outros alunos, e  “L” fazendo uma perseguição literal, correndo atrás de Light, já ilustra bem o quão fracassado foi o filme no quesito respeito com a obra original. Nem a participação de Willem Dafoe consegue ter presença, pois em nenhum momento vemos claramente o Ryuk. Uma colagem de cenas pretensiosas neo-noir que se esforçam para ser um péssimo enlatado. Entrando no hall das piores adaptações.

Por motivos morais e éticos eu me recuso a não indicar algum filme, pois, mesmo que a qualidade seja ruim, ele servirá pelo menos como um contra-exemplo para o espectador, além de eu sempre optar para que você, leitor e espectador, tirem suas próprias conclusões (e depois vir debatê-las aqui), mas este filme testou ao limite este meu princípio. Enfim, Death Note comete pecados capitais como um longa-metragem e falha miseravelmente no quesito adaptação. A  Netflix decepcionou.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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