No inicio do século XX os Estados Unidos era recheado de revistas chamadas de pulp. Revistas que traziam diversos contos de aventura, terror, ficção cientifica, mistério e todos os gêneros que não eram considerados dignos da “literatura de verdade”. Havia um número gigantesco dessas publicações que foram um verdadeiro celeiro de ideais de onde surgiram personagens que ficaram inimaginavelmente famosos. Nos pulps nasceram quase todos os clichês da cultura pop que nós tanto amamos. H.P Lovecraft, Robert Howard (criador do Conan), Edgar Rice (criador do Tarzan) e até Asimov. Na verdade a era dos heróis nasceu nesse tipo de publicação e pavimentaram o caminho para os super-heróis que viriam nos quadrinhos no final dos anos trinta. Dentro desse oceano criativo nasceu o Zorro, em 1919, pelas mãos do autor Johnston McCulley na revista All-Story Weekly. O herói foi um enorme sucesso e já foi adaptado para o cinema um ano depois de seu surgimento num filme chamado de “A Marca do Zorro”, mas não é desse filme que falaremos aqui. Nós falaremos de um filme com o mesmo nome, mas que foi feito somente nos anos quarenta.
Decidi falar desse filme específico no Tarja Classics por uma série de motivos. Zorro é um desses personagens icônicos que todo mundo conhece mesmo nunca tendo parado para assistir um filme dele. Ele é uma dessas figuras tão simples, mas conceitualmente tão poderosas, que é impossível não ficar com a ideia presa na cabeça. Um mascarado que ataca malfeitores na calada da noite e os deixa marcados com um Z. A definição máxima de defensor dos oprimidos. Esse filme é a definição perfeita dessa ideia.
Desde os anos sessenta esse conceito de herói altamente clássico está em baixa. Mesmo com os super heróis estando tão em alta eles são muito mais humanos (para o bem e para o mal) do que as figuras idealizadas do inicio do século. Neste filme acompanhamos um soldado espanhol que retorna para a sua cidade de origem, Los Angeles, na época em que a Espanha dominava aquele território. Quando chega à cidade ele descobre que ela está sendo dominada por um político cruel que oprime a população com taxas absurdamente altas. Devido a isso ele assume a persona de Zorro para lutar contra os opressores e libertar a população.
O que um filme com um conceito tão “ultrapassado” possui para se manter interessante hoje? Na verdade uma coisa muito simples. Ele é extremamente parecido com uma história do Batman. Levando em conta que o Cavaleiro das Trevas foi criado em 1939, e em seu primeiro ano não era nada parecido com sua versão mais “padrão” que conhecemos hoje, podemos dizer com toda certeza que esse filme foi altamente responsável por moldar um dos conceitos principais sobre o Batman. O super herói é fruto de uma série de inspirações e certamente o Zorro, ainda na época dos pulps, foi um dos personagens que o geraram, assim como O Sombra, O Morcego Negro e uma série de filmes dos anos vinte. Entretanto esse filme do Zorro é tão marcante que foi sedimentado na mitologia do Batman que foi definido depois que esse foi o filme que a família Wayne estava assistindo quando saíram do cinema e foram baleados. Como se o fato de Bruce ter assistido esse longa antes da tragédia que mudou sua vida ter sido um exemplo para o que ele faria quando estivesse mais velho. Mas o que tem nesse filme para gerar isso tudo?
O protagonista Diego (interpretado por Tyrone Power) é rico, bonito, inteligente e deliberadamente finge ser um esnobe diante de todos para que não façam nenhuma ligação com a chegada dele e o surgimento de Zorro. Ele até tem um período fora do país para treinar como lutador. Além de ser perfeitamente hábil com a espada ele diversas vezes demonstra uma notável inteligência. Possui até mesmo um padre que funciona como uma figura mais velha que assessora e aconselha o herói, sendo um dos únicos que sabe o seu segredo. É claro que também existem uma boa quantidade de diferenças com o herói da DC. Talvez a mais marcante seja que Zorro não é movido por nenhuma tragédia pessoal, inclusive seus dois pais estão vivos. O que motiva Zorro é o simples senso de justiça e a criação ética que teve. Também existe certa inversão de valores. Diego é uma figura mais relevante do que sua persona mascarada, enquanto costuma a ocorrer o oposto nas histórias do Batman. Na verdade Zorro, neste filme, é claramente um artifício momentâneo para solucionar um problema especifico, o que faz com que a questão da “identidade secreta” não seja sempre tão importante.
O filme é dirigido por Rouben Mamoulian, que faz um ótimo trabalho. Apesar das claras limitações tecnológicas para filmar grandes cenas de ação, temos ótimos momentos com corridas de cavalos e uma luta de espadas digna de ficar na memória. O roteiro escrito a três mãos tenta adaptar a primeira aventura escrita do personagem para os pulps que se chamava “The Curse of Capistrano”. Talvez o único pecado desse filme seja focar em momentos de diálogos muito extensos e não ter tantas lutas de espadas, algo fundamental para o Zorro. Mas colocando no contexto da época isso é entendível, pois era algo muito mais prático de filmar com os recursos disponíveis naquele momento.
Para os amantes de aventura e histórias de heróis em geral esse filme é uma pérola. Impressionante ver como ele consolida tantos conceitos que se tornariam os clichês do futuro. Zorro é uma figura icônica e que deixa um legado que ecoa até hoje. Uma obra que envelheceu maravilhosamente bem e merece sua atenção.