Aqui vamos falar do segundo livro da trilogia Bill Hodges, escrito por Stephen King, onde seguimos os eventos que ocorrem depois dos acontecimentos do livro Mr. Mercedes (que você pode ler nossa analise AQUI). Assim como o primeiro livro, ele continua sendo um suspense, entretanto o gênero detetive acaba sendo deixado de lado para dar lugar a uma narrativa sobre a literatura em si. O livro vai além de ser apenas “mais uma história de investigação de Bill” para ser uma inteligentíssima, e muito original, metalinguagem sobre a literatura. Achados e Perdidos quase que poderia ocorrer separadamente deste universo criado na primeira parte da trilogia, mas King amarra de forma brilhante pequenos detalhes para contar uma nova história. O detetive Bill em si só aparece após o fim do primeiro um terço da obra, pois ele é secundário nesta trama que ganha novos contornos.
John Rothstein é um grande escritor americano (no melhor estilo J.D. Salinger) que se isolou do mundo após concluir sua saga de livros “O corredor”, com a publicação do terceiro volume. Seu personagem era o símbolo da rebeldia jovem dos anos 60, mas acaba se acomodado numa vida classe média comum. Morris é um leitor fanático que simplesmente odeia o final do personagem que se tornou seu maior herói, e decide matar o autor e roubar seus últimos escritos. Ele o faz e enterra os últimos cadernos escritos a mão por Rothstein. Anos depois, um jovem acha o material e fica na mira de Morris, que saiu da prisão e deseja reaver seus preciosos cadernos de volta, a qualquer custo.
Muitos podem achar que esse é um grande repeteco do clássico Misery, também escrito por King, onde leitores fanáticos são os grandes vilões da trama. De fato, é um retorno a esse tema, mas acredito que de forma um tanto mais profunda. Aqui ele vai além da relação autor e leitor e parte mais para autor e sociedade, que é quando um livro se torna mais do que uma história, quando se torna um símbolo de alguma ideologia ou ideal. A ficção passa modificar a realidade de algumas pessoas. King, com esse livro, começa a refletir sobre o que é a figura do “autor icônico”.
Obviamente que voltamos a mais um psicopata, que é fascinado por um personagem, mas somos mais bem servidos de outros elementos. Peter é o jovem que encontra os livros e é um grande protagonista heroico e bom, que tem que luar contra situações absurdas. Morris não é um vilão tão interessante como o Mr. Mercedes, mas ainda assim é um ótimo personagem. Acompanhamos toda a sua vida, assim como toda a vida de Peter. Mais uma vez, temos a troca de uma perspectiva para outra, e vamos roendo as unhas enquanto esperamos o encontro inevitável destes dois personagens.
Este é um livro que transcende o simples thriller e realmente reflete um pouco qual é o valor da literatura. Ela de fato tem algum valor? Até onde um livro é verdadeiramente profundo? Até onde um autor é um gênio, ou simplesmente escreveu cosias aleatórias da sua cabeça? Para, além disso, ele começa a falar sobre todo mundo em volta dos livros. O que torna um livro raro? Quais são as taras dos colecionadores? Quando o livro deixa de ser arte e se torna um simples objeto de desejo? Depois disso tudo ainda temos o suspense e a tensão.
Para os que amaram o primeiro livro da trilogia, talvez podem se decepcionar com a posição secundaria que os personagens de Mr. Mercedes tomam nesta obra. Entretanto, o nível de tensão consegue ser maior, mesmo com a menor proporção dos eventos. Nosso protagonista é extremamente indefeso e se coloca em posições extremante delicadas que realmente te fazem virar páginas de forma alucinada.
Temos continuações de algumas situações do primeiro livro e o término que aponta diretamente para o terceiro volume da trilogia, que funciona como uma espécie de prólogo para o encerramento da trilogia. Achados e Perdidos é extremamente original em como aborda o tema e as voltas que dá para encaixar essa história com o detetive Bill Hodges. Acima de tudo isso, temos um grande autor revelando um pouco o que ele pensa sobre esse universo e dá dicas de grandes obras que ele mesmo admira, nos fazendo entrar nas referências literárias que King possui.
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