Em um 2017 excelente para a representatividade feminina no cinema de ação, surge Atômica, filme estrelado pela brilhante Charlize Theron que novamente é protagonista em um filme do gênero. Como uma ironia que perverte uma ideia, Atômica nos faz relembrar a época dos grandes filmes de brucutus do passado, aonde a produção era completamente galgada em cima do nome do protagonista que, invariavelmente, eram homens que possuíam uma grande montanha de músculos. Mostrando que, hoje em dia, isso não significa mais nada para que alguém se torne uma verdadeira brucutu. Inspirado na HQ The Coldest City, de Antony Johnston e Sam Hart (este último brasuca), Atômica gira em torno de uma espiã que tem que encontrar uma lista de agentes duplos que está sendo contrabandeada para o ocidente na véspera do Colapso do Muro de Berlim em 1989. Com o elenco composto por James McAvoy, John GoodmanJames FaulknerSofia Boutella e Toby Jones, todos sob a direção do estreante no comando David Leitch. Atômica conta com sequências bem dirigidas e coreografadas, uma estética estilizada com belas músicas de fundo e fotografia marcante, tudo aliado com boas interpretações que conseguem salvar os seus problemas de roteiro.

Fortemente influenciado por De Volta Ao Jogo (John Wick), estrelado por Keanu Reeves, Atômica impõe sequências de ação frenéticas e bem pensadas dentro da fotografia de cores cintilantes dentro de ambientes escuros. Não é a toa que os filmes tem estilos semelhantes, já que David Leitch saiu da produção da sequência do filme de Reeves (John Wick 2) para a direção solo de Atômica (além de ter dirigidos algumas cenas do primeiro). Com elementos clássicos de um bom filme de ação: perseguição de carros, ambientes noturnos, lutas cruas e bem coreografadas que funcionam em cima de um bom protagonista, Atômica tem seu verdadeiro diferencial no grande astro da companhia, a brilhante Charlize Theron, ajudando a quebrar esse tabu sobre protagonismo feminino no gênero de ação.

Filmes de ação montados em cima de um personagem que resolve todos os seus problemas. Aqueles mesmo, no estilo dos filmes de Schwarzenegger e Stalone, os filmes de brucutus. Apesar da produção destes filmes ser uma constante no circo cinematográfico, podemos contar nos dedos as atrizes que realmente tiveram alguma oportunidade para se destacar com um personagem desta estirpe. Milla Jovovic com a franquia Resident Evil é um exemplo disto. Temos mais alguns outros, mas podemos questionar se tais filmes se apoiam exclusivamente nas costas das protagonistas; como Sigourney Weaver (Alien) e Uma Thurman (Kill Bill), com filmes que possuem seus maiores símbolos em cima do monstro e do diretor, respectivamente. Um outro nome forte no cenário de ação é Scarlett Johanson, que já protagonizou Ghost in The Shell e Lucy, mas pesa contra ela o excesso de coadjuvantismo da personagem Viúva Negra nos filmes da Marvel. Com a crescente representatividade feminina nos cinemas, cada vez mais protagonistas e personagens femininas fortes têm surgido, mas ainda não é algo fortemente consolidado. Em Atômica há um novo passo para essa consolidação, Charlize consegue exalar tal protagonismo bruto e competente, alçando-a a mais um patamar diferenciado de seu tão variado repertório.

Charlize Theron sempre se notabilizou por sua grande qualidade na arte da interpretação, a atriz sul-africana, portadora de uma beleza suficiente para sempre fazê-la a “princesa” de qualquer história, não se acomoda em papéis clichês para atrizes do seu tipo, e sempre buscou um caminho na sua carreira de estar sempre se provando. Foi assim que ela conquistou seu Oscar em 2004 com o filme Monster, onde interpreta uma prostituta que se transforma em uma serial killer, papel que dispensou seus atributos estéticos. E desde Aeon Flux (2007), a atriz encampa em alguns filmes de ação, área que, como citado acima, sempre foi pouco produtiva em criar fortes símbolos femininos. Muito disso causado exclusivamente por preconceitos e clichês da indústria cinematográfica. A própria Charlize diz que já rejeitou diversos papéis do gênero em que faria a garota atrás do computador ou a esposa do protagonista. E, após sua brilhante contribuição em Mad Max: A Estrada da Fúria, ela enfim teve a oportunidade de quebrar de vez com tais clichês em Atômica.

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Lorraine Broughton (Charlize Theron), uma agente disfarçada do MI6, é enviada para Berlim durante a Guerra Fria para investigar o assassinato de um oficial e recuperar uma lista perdida de agentes duplos. Ao lado de David Percival (James McAvoy), o espião da localidade, ela investiga  o paradeiro da lista que pode expor todo o cenário da Guerra Fria em um momento tão significativo para o fim da mesma. Com uma narrativa de inserção de flashbacks, o filme começa em um ponto futuro, onde os eventos do passado são resgatados através das lembranças da agente; ela está sendo interrogada sobre o que realmente aconteceu nessa missão em Berlim. Com a ajuda de James McAvoy para tentar trazer mais qualidade interpretativa na história, Atômica consegue interpor algumas dúvidas sobre o alinhamento de cada personagem, coisa já de praxe dos filmes de espionagem. Porém essas pretensas dúvidas são reforçadas mais pelas frases de efeito (claramente tentando plantar a ideia no espectador) do que pela trama em si. O que faz com que o roteiro esteja bem abaixo das outras nuances desta produção. É possível perder as contas em quantas vezes a frase “É um duplo prazer enganar o enganador” é dita durante o filme. Mas o grande trunfo do filme está na brutalidade das cenas de ação e as interpretações de seus protagonistas.

Charlize se doou muito para para dar conta da ação que o filme exigia, sem sair ilesa; ela torceu o joelho, machucou suas costelas e teve que se submeter a uma cirurgia dentária. Mas durante o longa notamos o porquê disso tudo. Somos brindados com excelentes e empolgantes cenas de ação, coreografadas para retratar confrontos da atriz (teoricamente mais frágil) em lutas viscerais contra vários homens, pensadas para relativizar essa diferença física nos confrontos. Não é a toa que Lorraine sempre tem que aplicar mais golpes para derrubar seus adversários, usando, às vezes, algum elemento para ajudá-la no impacto de seus golpes; como uma simples chave. No clímax do filme há uma sequência de ação brutal em plano sequência de mais de 7 minutos de duração, onde vemos todo o talento do diretor em usar a câmera e o enquadramento nestes momentos. Leitch mostrou-se competente para comandar o filme, obtendo êxito em sua decisão de sair do filme John Wick 2, que dirigiria ao lado de Chad Stahelski, para brilhar de maneira solo em Atômica, mesmo com um roteiro abaixo do esperado, o que não é culpa dele; e sim do roteirista, Kurt Johnstad.

A trilha sonora de Atômica resgata o momento da época, fim da década de 80, pontuando brilhantemente alguns momentos do longa com músicas icônicas do Queen, The Cure, David Bowie, The Clash, entre outros. Mantendo a estética estilizada do filme. Mas nesse aspecto não percebemos o tom autoral de tais elementos, e sim essa tendência de resgate de músicas do passado em produções atuais, assim como a utilização de uma fotografia cintilante que vemos também em outras produções por aí, como o próprio John  Wick, Ghost In The Shell, Guardiões da Galáxia, e outros. O ano de 2017 está realmente se notabilizando por essas cores mais chamativas nos filmes. Em Atômica tem momentos em que os filtros azuis e vermelhos estão realmente exagerados, porém é um exagero planejado.

O entrelace das coreografias, trilha sonora e fotografia do filme combina para algumas sequências que torna a experiência cinematográfica de Atômica fabulosa, fazendo com o que o espectador esqueça um pouco da cansativa trama de gato e rato mal construída durante o filme. Charlize entrega uma interpretação forte, que varia desde momentos sensuais a cenas duras e implacáveis, sem deixar de humanizar a personagem. Que por um lado é forte e destemida, por outro é frágil e sente as consequências de uma batalha; com ferimentos horríveis e banheiras de gelo. Uma personagem forte e feminina.

Atômica consegue ser um filme de ação competente, que brilha com sua trilha sonora e sequências de lutas. Porém peca em quesitos de roteiro, como plot twists forçados e alguns diálogos fracos. No fim, apela por um “clichêzão” americano sobre a cortina de ferro. Mas isso não apaga o brilho de Charlize Theron, que se consagra como um grande nome de filme de ação em um ótimo ano para a representatividade feminina nos cinemas.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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