Pessoas sequestradas que vivem isoladas do mundo real é uma das coisas mais aterradoras que vemos nos jornais. Já existe um bom número de casos onde são descobertos crianças que viveram em cativeiro durante toda a infância, e não fazem a menor ideia do que se passa do lado de fora de suas prisões domiciliares. Em 2015 tivemos o lançamento do O Quarto de Jack que conta uma história sobre essa temática. Brigsby Bear explora este assunto de forma completamente nova.

Com uma narrativa completamente ficcional, o filme é sobre a vida de um homem que só é libertado para o mundo em sua vida adulta. Um dos seus maiores choques é descobrir que o programa de TV que ele assistia há anos era feito pelos seus pais, que na verdade eram seus sequestradores. Agora ele precisa aprender a conviver com o mundo real, mas ainda tem vontade de dar um fim ao seriado que tanto amava.

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Eu realmente não esperava ver um filme que misturasse Doctor Who, Show de Truman e Quarto de Jack. Doctor Who está justamente no programa que o protagonista assiste, que é uma espécie de versão bizarra da famosa ficção científica britânica para a TV. Mas eu estou falando dos anos bizarros do Doutor. Brigsby é justamente esse estilo de programa que, de certa forma, pauta toda a temática deste filme. Show de Truman obviamente está no choque de realidade versus ficção, mas não de forma tão extrema. A questão é que, apesar dele usar todos esses elementos, ele é feito de forma completamente original, de um jeito que fica até difícil explicar sem dar muitos spoilers. Prometo que farei o máximo.

O grande tema deste filme é sobre a arte, e a relação que podemos ter com ela. O protagonista, apesar de ter sido sequestrado, não guarda raiva dos seus falsos pais e nem sofre absurdamente com sua nova adaptação. O que move a história é seu desejo por continuar a história que ele tanto amava e finalmente finalizá-la. Quando James (Kyle Mooney) descobre que era seu falso pai que roteirizava tudo, ele entende que até ele pode decidir o rumo do personagem que tanto ama. O fã se torna o autor. Esse filme é sobre isso.

Entender isso é muito importante, pois se essa informação não for absorvida a história do filme pode soar levemente bizarra. É óbvio que a questão da adaptação e os obstáculos da nova vida são abordados, mas não é o ponto central do roteiro. Brigsby Bear quer mostrar como a arte pode dar significado para uma vida e como ela tem o potencial de unir as pessoas em prol de um bem comum. Acho muito difícil que um nerd que ama alguma obra não seja tocado pela história de James, pois todos nós já nos conectamos de forma profunda com alguma ficção, a ponto dela alterar de forma positiva a nossa vida real.

A direção fica por conta de Dave McCary e este é seu primeiro longa, o que é surpreendente, pois ele demonstra uma incrível técnica  para contar história de forma visual. Não existe nenhum ângulo ou técnica muito chamativa. Ele faz o básico de forma impecável e ainda tira alguns belos takes em espaços abertos. Antes deste filme seu trabalho mais conhecido era a série de vídeos hilários do Youtube: Epic Rap Battles of History. O roteiro é assinado por Kevin Costello (também seu primeiro trabalho) e Kyle Mooney, que também interpreta o protagonista. Ambos estão de parabéns por fazer uma história tão inusitada se tornar completamente crível, além de falar de um tema complexo e denso de forma completamente original e até mesmo com uma dose sensível e delicada de humor. O filme ainda consegue criar personagens marcantes e te envolver completamente numa jornada louca, porém totalmente compreensível. O único “defeito” que eu imagino que possa ser apontado é a decisão que o personagem toma no final e a forma que ele lida com determinadas coisas, mas isso está totalmente justificado na narrativa, mas acho totalmente compreensível que algumas pessoas não gostem de determinados pontos da trama.

O longa também conta com participações incríveis de Mark Hamill, ainda brincando com o seu lado dublador de forma bem bizarra. Todos os outros atores estão muito bem no filme e fazendo papéis delicados, como toda a temática do filme. Nenhum deles é muito famoso, mas todos estão ótimos em seus papeis. Fiquem de olho nesse diretor e nesses roteiristas, se esse é o primeiro trabalho deles no cinema eu fico abismado só de pensar as coisas incríveis que vêm por ai. 

Um filme que merece ser visto. Para quem reclama da originalidade no cinema, aqui está uma peça para te deixar feliz. Um filme sobre o amor ao audiovisual e o que ele significa na vida de algumas pessoas. Sobre o poder da ficção em cima da realidade. Um filme sobre a arte, mesmo que essa arte seja uma fantasia de urso resolvendo problemas cósmicos.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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