Antes mesmo de estrear nos cinemas, Coringa já estava dando o que falar. Mas agora que o filme já está em exibição, todos podem assistir e tirar suas próprias conclusões. Inclusive já comentamos um pouco sobre ele na nossa crítica sem spoiler, porém não poderíamos deixar de nos aprofundar na trama que conta a origem da complexa figura do Palhaço do Crime, então cuidado com os spoilers a seguir.

Coringa pode ser dividido em três atos distintos onde o protagonista vai se entregando à insanidade até se tornar o icônico arqui-inimigo do Batman. No primeiro, conhecemos seu alter ego, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix), um homem com problemas psicológicos que tenta contornar isso levando uma vida comum nutrindo o sonho de ser um comediante. As cenas da consulta com a assistente social e da gargalhada descontrolada no ônibus mostram que de fato sua mente não é sã. Isso já é um grande obstáculo para ele se encaixar na sociedade e tudo fica ainda mais difícil vivendo em Gotham. As falhas na administração da cidade, a apatia das pessoas e a desigualdade tornam o ambiente hostil para qualquer um, sendo que Arthur é muito mais afetado por isso. Após perder o emprego e ser espancado novamente, ele chega ao limite e enfim comete seus primeiros assassinatos.

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Podemos considerar esse episódio no metrô como mais um degrau que o personagem sobe rumo ao descontrole. A partir da morte dos três jovens, o caos começa a tomar forma na cidade e a imagem de um palhaço se torna um símbolo de resistência. Mesmo que Arthur ainda não assuma publicamente, matar aqueles rapazes lhe fez bem. Esse sentimento não dura por muito tempo, já que ele é hostilizado por Thomas Wayne (Brett Cullen) e logo em seguida comprova a doença mental da própria mãe. Os maus tratos que ele sofreu na infância são um indício de onde vieram seus distúrbios e a origem da risada convulsiva que se tornaria sua marca registrada. Aliado a isso, descobrimos que o romance que ele mantinha com a vizinha, Sophie (Zazie Beetz), era uma ilusão. Tal revelação dá uma nova dimensão aos problemas do protagonista; ele foge da sua realidade se escondendo em devaneios e mentiras ditas a si mesmo. O divisor de águas é o momento em que Arthur mata a própria mãe no hospital. Ali foi o fim de qualquer limite moral que ele poderia ter.

 

O último ato é sua aceitação de como é de verdade. Ele assume o papel do Coringa muito antes de pedir que o apresentador Murray Franklin (Robert De Niro) o apresente assim, quando o seu pudor para tirar a vida de outra pessoa deixa de existir. É nessa hora que presenciamos a performance memorável de Joaquin Phoenix encarnando o vilão completo, dançando e debochando da cara de qualquer autoridade. O discurso poderoso que ele faz na entrevista com Murray é um tapa na cara de muita gente e é impossível não dar razão às coisas que o Joker diz. Talvez esse seja o motivo para as preocupações sobre o filme estimular ações violentas, mas temos de convir que o personagem apresenta um desequilíbrio mental evidente; então é de se supor que uma pessoa sadia tenha o discernimento necessário para não ultrapassar certos limites.

 

A sequência termina com o assassinato do apresentador ao vivo em rede nacional. Mesmo sabendo que esse era o plano desde o início, não deixa de ser impactante devido ao realismo e crueza da cena. Daí em diante, o caos que estava surgindo explode por toda Gotham e o Coringa se torna o símbolo definitivo da desordem ao ser salvo e ovacionado pelos manifestantes. Um dos muitos efeitos colaterais da confusão é a morte de Thomas e Martha Wayne, o gatilho que levará Bruce a se tornar um símbolo oposto representado na figura do Homem-Morcego.

Nesse ponto, é importante ressaltar um detalhe do filme: a imagem que o roteiro cria de Thomas Wayne é diferente daquela idealizada por Bruce de um exemplo paterno como vemos em muitas histórias do Batman. Aqui, Thomas é um político que visa interesses próprios, é negligente em saber quais pessoas trabalham para ele e arrogante. Essa ótica nova sobre o personagem é benéfica para mostrar que todos têm seu lado obscuro e questionável, alguns em maior grau, outros em menor.

 

Ainda sobra espaço para algumas inspirações nas quais o longa se baseia como, por exemplo, os filmes Taxi Driver (1976), O Rei da Comédia (de 1982, com Robert De Niro) e O Clube da Luta (1999). Todas essas obras contribuíram com elementos narrativos para a construção de Coringa e se combinaram para criar algo único. Além disso, podemos perceber alguns pontos semelhantes com O Cavaleiro das Trevas (2008) e com a HQ A Piada Mortal, por mais que Joker seja uma adaptação livre.

A cena final da película gera uma teoria muito plausível de que tudo não passou de um devaneio de Arthur enquanto ele estava internado no Asilo Arkham. Vemos o Palhaço do Crime sentado em frente a uma terapeuta, de cara limpa e sem machucados, rindo de alguma piada que ele lembrou. Quando a mulher pede que ele lhe conte a piada, Arthur simplesmente responde que ela não entenderia. Isso levanta a questão sobre ter sido tudo real ou apenas mais um delírio, como no caso do namoro com a vizinha.

Outro tópico discutível diz respeito ao valor simbólico que o Coringa representa. Arthur Fleck é um alter ego criado para o filme apenas, sendo que nos quadrinhos o personagem já teve nomes e origens diferentes. Então fica a pergunta se este é o Coringa definitivo ou então o precursor de uma alegoria que representa o caos e a anarquia, como a série Gotham já havia explorado.

De uma forma ou de outra, independentemente das teorias criadas, Coringa é um filme que veio para marcar o Cinema, tanto pela atuação de seu elenco e o desempenho da equipe técnica quanto pela construção psicológica de um dos personagens mais perturbadores e complexos já criados.

Ficha técnica:

  • Data de lançamento (no Brasil): 3 de outubro de 2019
  • Duração: 2h2min
  • Gênero: Ação
  • Direção:  Todd Phillips 
  • Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver
  • Elenco: Joaquin Phoenix (Arthur Fleck/Coringa), Robert de Niro (Murray Franklin), Zazie Beetz (Sophie Dumond), Brett Cullen (Thomas Wayne), Douglas Hodge (Alfred Pennyworth), entre outros.

Assista ao trailer de Coringa:

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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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