Desde 2017, graças ao movimento #MeToo, as estruturas de poder na indústria do cinema nunca mais foram as mesmas. A campanha ficou conhecida pela forte participação de atrizes de Hollywood contra a cultura de assédio sexual na indústria e deu voz a várias dessas profissionais que por muitos anos foram silenciadas e desacreditadas. Recentemente, chegou a oportunidade de conhecer o primeiro passo dessa luta em Ela Disse, filme que conta a história das investigações que impulsionaram esse processo tão relevante. 

Adaptação do livro homônimo, o longa mostra o trabalho das jornalistas Megan Twohey (Carey Mulligan) e Jodi Kantor (Zoe Kazan) do New York Times em localizar e entrevistar as vítimas de abuso sexual sofrido pelo famoso produtor de cinema Harvey Weinstein (Mike Houston) marcando assim uma das mais importantes histórias de uma geração e estilhaçando décadas de silêncio a respeito de um tema que nunca fora tratado com o devido respeito, principalmente na indústria cinematográfica.

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Mesmo tendo como foco principal das denúncias a figura dele, Ela Disse não dá espaço para que sua presença ocupe mais tempo que o necessário. O mais importante está no intenso e frenético trabalho investigativo da dupla, algo que no começo parece uma missão impossível de tão árdua. Nesse ponto, a direção de Maria Schrader acerta ao compartilhar com o público todos os percalços que Megan e Jodi passam em suas vidas pessoais e profissionais como ameaças anônimas e recusas de fontes traumatizadas por anos de sofrimento.

Aliás, vale mencionar que Ela Disse não deixa de lado a questão emocional, mesmo sendo baseado em fatos reais e ter jornalistas no protagonismo. Diferente de filmes desse tipo como, por exemplo, Spotlight: Segredos Revelados, o longa traz uma perspectiva mais humanizada de quem realmente entende o lado da vítima de forma humana e sensível. Isso ganha mais peso com algumas reviravoltas e a participação da atriz Ashley Judd interpretando a si mesma em uma cena na qual revive o momento em que deu o testemunho que foi crucial para dar credibilidade à reportagem, algo que encorajou outras mulheres a fazerem o mesmo pouco tempo depois.

Cenas como essa emocionam não só a dupla de protagonistas como também podem despertar o mesmo em boa parte do público que consegue se conectar com esse processo de empatia criado pelo roteiro assinado por Rebecca Lenkiewicz. Inclusive, isso ocorre em outro momento desenvolvido com precisão em Ela Disse na qual a força da narração cria um processo de empatia único e ao mesmo tempo doloroso. Com apenas áudios das vítimas acompanhamos o olhar da câmera “passear” por um corredor de hotel vazio sem necessariamente chegar ao fim do mesmo em uma sequência cujo simbolismo nos coloca em uma espécie de rua sem saída, o que nos permite entender como essas mulheres se sentiram perdidas por uma sociedade manipulada por homens poderosos e influentes que compraram o silêncio delas das mais variadas formas. 

No entanto, o ponto negativo disso aparece quando percebemos que o longa foca demais nos atos de Harvey enquanto outros nomes são pouco e brevemente mencionados. É como se o produtor fosse uma única e verdadeira ameaça, o que não é verdade principalmente para quem acompanhou todas as inúmeras denúncias surgidas no período.

Outra questão relativa à figura dele é que não há aprofundamento sobre como foi montado todo o esquema corrupto criado para se manter durante tantos anos no poder mesmo cometendo tantos crimes. É como se Ela Disse só chegasse em um determinado ponto e pisasse no freio com algum receio do estúdio, o que também nos leva a pensar que esse tenha sido o motivo para o filme ter sido “esquecido” entre os indicados ao Oscar 2023.

Algo que também faz falta é ver o que houve depois de todo o escândalo provocado pelas reportagens e artigos das jornalistas. Tendo em vista que se trata de uma investigação responsável por impulsionar o movimento #MeToo, teria sido no mínimo interessante mostrar algo sobre isso começando para valer nas redes sociais ao invés de apenas algumas informações através de legendas.  

Mesmo assim, Ela Disse não perde sua qualidade de forma alguma. Atual, relevante e emocionante, o filme merece ser visto e debatido por conta da temática do assédio sexual e de como sua prática fortaleceu uma indústria formada em grande parte por homens poderosos e misóginos. Não só isso, mas também por saber dar voz de forma competente a mulheres que em seu tempo não foram ouvidas e tratadas com o devido respeito.

Assista ao trailer:

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Ela Disse (2022)

8.0 Bom!
  • Nota 8
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Marcus Alencar

"Palavras importam! Uma morte, uma ondulação e a história mudará em um piscar de olhos"

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