Filmes sobre relacionamentos impossíveis existem desde que o cinema existe. Na verdade o tema do “amor impossível” é usado na arte desde sempre (literalmente). Entretanto, só em versões mais recentes que começa a se discutir o quanto alguns relacionamentos podem não ser saudáveis e começar a caminhar para algo abusivo. O “casal não saudável” é uma nova temática que vem sendo abordada na arte e no recente filme nacional, “Fala Comigo”, que ganhou o prêmio de melhor filme no Festival de Cinema do Rio e de melhor atriz também. Antes de tudo eu lhe digo para evitar saber muito sobre esse filme antes de assistí-lo. Ao longo dessa crítica farei um esforço extra para não revelar muita coisa, pois já na primeira cena temos coisas surpreendentes. Fuja de sinopses mais completas deste longa, tente ir assisti-lo sem saber muito sobre a trama básica. Vamos a ela com todo cuidado.

Diogo (Tom Karabachian) acaba se envolvendo com uma paciente de sua mãe que é psicóloga. A mulher, Ângela (Karine Teles), tem seus quarenta anos e Diogo apenas dezessete anos. Os dois começam um estranho namoro que choca todos em torno do círculo social que frequentam. De modo geral, ele é um pouco sobre a jornada de Diogo na descoberta da sua sexualidade e início de sua vida adulta.

Esse é um filme que propositalmente tenta te deixar desconfortável com a relação dos dois personagens principais. O desconforto parte de como o sexo é trato, mas não pense que temos cenas explícitas ou qualquer coisa do tipo. Na verdade é tudo colocado fora do alcance da câmera e diversas coisas subentendidas (de forma bem clara), mas nunca vemos nada na nossa cara. Entretanto, esse é o grande tema do filme e a direção consegue falar sobre tudo de forma muito direta sem mostrar nada.

Aliás, a direção e o roteiro são de Felipe Sholl. Seu roteiro é ótimo e consegue definir os personagens complexos em poucos minutos de história. E quando eu digo personagens complexos eu quero dizer verdadeiramente complexos. Todos eles apresentam algum distúrbio psicológico, mas nada que estamos acostumados a ver no cinema como psicopatas ou coisa do tipo. Aqui temos as “maluquices” cotidianas que você já viu alguém ter, ou talvez até tenha. Diogo é o único que por vezes apresenta algumas atitudes verdadeiramente estranhas, mas nada que seja totalmente fora da realidade, assim como a personagem Ângela.

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A direção de Sholl é na maior parte do tempo simples, já que sua história fala ppr si e não precisa de muitos floreios. Mas ele tem seus bons momentos. Trabalha muito com closes e, em dado momento, onde a psicóloga fala com uma paciente especialmente perturbada, temos o uso da câmera para representar o estado mental das personagens. A câmera que foca na psicóloga é mais estabilizada, pois ela esta centrada e tem certeza do que está falando, enquanto a paciente é filmada com uma câmera bem tremida já que ela está totalmente desorientada. Além disso, procure prestar atenção nos livros que o personagem Diogo possui, pois eles ajudam a montar a personalidade dele de forma bem sutil.

Agora vamos aos problemas. Um personagem ou outro não é muito bem explorado, mas são os secundários e é entendível que não sejam aprofundados, e também não podemos reclamar dizendo que eles não tiveram seus respectivos fechamentos (exceto por um talvez). O final também é bem abrupto e pode deixar com a sensação de que parou no meio do caminho. O fechamento da história existe, mas ficamos com a sensação de que faltou algo para deixar o terceiro ato mais intenso. O maior problema é o quanto ele discute pouco como o relacionamento que vemos nesse filme é abusivo. Só temos isso discutido para o fim do filme e de forma meio rasa. Não fica claro se esse é um filme para mostrar um relacionamento não saudável e meio bizarro ou se ele acaba romantizando tudo isso. Ou talvez os dois ao mesmo tempo. Isso é algo bem preocupante que fica com margem para discussão. Talvez tenha sido proposital deixar essa ideia dúbia.

Um filme muito interessante que chega a flertar com um leve suspense. Desperta sentimentos intensos de todos os tipos. Uma pequena pérola do cinema nacional que merece ser vista e principalmente discutida. Que venham mais trabalhos de Felipe Sholl.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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