Das histórias importantes na cronologia do Homem Aranha essa é uma que constantemente é citada. Nos anos 90 tivemos uma “saga do clone” que durou um ano e entra na lista de piores histórias do Cabeça de Teia devido à bagunça que fez na vida do personagem e criou uma série de plots que não levaram a lugar nenhum. Entretanto, essa saga dos anos 90 teve origem numa aventura dos anos 70 que acabou sendo retroativamente apelidada de “saga do clone original”. Sendo assim, essa história inusitada acabou ganhando mais relevância do que realmente teve na época e acaba sendo lembrada com mais qualidade do que ela realmente tem. Aliás, está sendo republicada pela Salvat, podendo ser encontrada nas bancas e por isso vamos analisá-la.

Os roteiros são de Gerry Conway, o mesmo roteirista que matou Gwen Stacy pouco tempo antes, que recebeu a missão do próprio Stan Lee de reviver a amada personagem. Gerry não queria fazer isso de jeito nenhum e, forçadamente, criou uma trama envolvendo clonagem, conceito inovador na época. O grande problema é que o roteirista não desejava escrever essa história e vemos claramente o quanto ela é forçada.

Após voltar de uma aventura na França, Peter descobre que Gwen, até então morta, aparece em seu apartamento. O herói entra numa crise de consciência absurda, acreditando que está enlouquecendo e Tia May tem um ataque de nervos (para variar) após achar que viu um fantasma. Assim começa a jornada louca do Homem Aranha para descobrir quem é essa suposta Gwen e lutar com uma sequência de vilões.

O grande problema dessa história é o quanto ela enrola para chegar aos seus “finalmentes”. Temos que ver luta com vários vilões que nada tem haver com a história da clonagem de Gwen. Outro grande problema é: quem se daria ao trabalho de clonar a namorada do desconhecido Peter? A motivação do vilão para tal é uma das mais forçadas e todo o conceito dele é bem patético, sendo só mais um derivado tosco do Duende Verde (já falei de vários deles aqui).

A lógica sobre clonagem e como ela ocorre é totalmente absurda. Sabemos que nos anos 70 o conhecimento sobre essa área ela limitadíssimo, mas qualquer lógica básica vai para o espaço nessa narrativa. “Mas Raul isso são quadrinhos, não se pode levar tão a sério”. Eu sei disso, mas, cá para nós, quando um cientista confunde DNA de um rato com o de um humano o roteiro está precisando de uma revisão. As edições são repletas de aparelhos tecnológicos toscos, planos de vilão que lá no fundo não tem propósito nenhum e em diversos momentos o sentido aranha é ignorado para o herói ser pego de surpresa, amarrado para depois se soltar.

“Mas Raul por que essa história ficou conhecida então?”. Além de ela trazer Gwen de volta as páginas, temos um clone do Homem Aranha. A ideia de o herói lutar com ele mesmo é algo interessante e depois é criado a dúvida de qual é o verdadeiro, mas a resolução disso é boba e tal “dúvida”é deixada solta. O roteiro deixa em aberto se estamos acompanhando a história do verdadeiro ou do clone, mas a própria história tenta responder essa pergunta ao mesmo tempo que também tenta deixar a dúvida. Ela quer mais confundir o leitor do que criar uma boa narrativa.

Existe algo bom nessa edição? Preciso dizer que os desenhos de Ross Andru são ótimos. Quando Peter se depara com Gwen, Andru desenha expressão de loucura e medo de uma forma incrível, suas expressões faciais são muito vivas e convincentes, mas em alguns momentos sua narrativa sequencial fica desarranjada e suas lutas são um tanto confusas. Os dilemas morais e sentimentais gerados pela volta de Gwen são interessantes e as relações humanas, como sempre, acabam sendo o forte da história. Peter sempre acaba sendo mais interessante do que a figura do Homem Aranha em si.

No saldo geral não é uma boa história e só atrapalha a cronologia mais do que o necessário. Bagunçar a vida de um herói é algo necessário, mas, da forma que é feita aqui, acaba sendo além da conta, deixando tantas coisas em aberto que beiram ao absurdo. Para um super fã do personagem é o tipo de coisa que se tem que ter na prateleira, devido à importância na cronologia. Para um leitor casual eu diria para passar longe, já que tem coisa muito mais interessante do personagem para se ler (você até pode pegar umas dicas aqui).

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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