Muito se falou da nova série do universo Marvel que adaptaria a história dos Inumanos. Com várias notícias anunciando a precaridade evidente da produção e com trailers bem insossos, a série tentou apostar no lançamento de seus primeiros episódios nas telas IMAX dos cinemas, que além de ter se mostrado um tremendo tiro pela culatra, gerou indagações nos amantes das adaptações de quadrinhos: Por que ao invés de gastar essa grana do IMAX, a Marvel não destinou mais verbas para a própria e já precária produção? Inumanos acabou tendo uma das piores audiências tanto nos cinemas quanto na sua estreia na TV. Após assistir os dois primeiros episódios da série venho deixar minhas impressões e tentar responder se Inumanos é tão ruim assim mesmo ou não.

Em primeiro lugar queria construir um pouco a história desses heróis não tão famosos assim do universo Marvel. Os Inumanos foi criado nos quadrinhos em 1965 por Stan Lee e Jack Kirby, é uma raça de humanos modificados e aperfeiçoados pelos Krees (raça alienígena do universo Marvel), de início eles moram no Himalaia, mas nos quadrinhos dos anos 70 eles estabelecem sua moradia na Zona Azul da Lua, para fugirem da poluição da atmosfera terrestre. De início eles não foram muito bem explorados, nada além do que alguns vilões para o Quarteto Fantástico, mas, com o passar dos anos, foram ganhando um pouco mais de relevância, ainda mais quando o seu principal personagem, Raio Negro, o rei dos Inumanos, entrou para o grupo secreto Illuminati, que era formado pelos maiores heróis e mentes da época (Professor Xavier, Reed Richards, Dr. Estranho, Tony Stark, etc.). Os Inumanos chegaram a co-protagonizar alguns arcos com os X-Mens, que culminou na história de 6 capítulos Inumanos vs X-men. Mas em histórias solos, em sua maioria, os Inumanos não tiveram bons arcos. Podemos elencar aqui a mais proeminente e atual história de uma inumana: Kamala Khan, que atende pela alcunha de Miss Marvel. Uma boa heroína, fruto do arco dos novos Inumanos. Mas ela não está nessa série.

À priore estava nos planos da Marvel um filme dos Inumanos, mas essa ideia foi abandonada em 2016, culminando na realização desta série. A trama é bem simples: um golpe à Família Real muda completamente o funcionamento de Attilan (morada inumana na Lua), que vivia sob o sistema de castas. Motivado pela vontade de um mundo mais igualitário e uma grande sede de ambição, Maximus (Iwan Rheon), príncipe e irmão do Raio Negro (Anson Mount), executa o seu plano para derrubar seu irmão do poder. E após conquistar a confiança de castas menores e da guarda inumana, planeja se livrar da Família Real e começar seus planos de invadir a Terra. Porém com a ajuda de Crystal (Isabelle Cornish) e Dentinho (um cão inumano com poderes de teletransporte), Raio Negro, Medusa (Serinda Swan), Karnak (Ken Leung) e Gorgon (Eme Ikwuakor) fogem para o Havaí. Porém Dentinho e Crystal são pegos. Então assim começa a jornada da Família Real em conter o golpe e retomar a liderança dos Inumanos. Uma premissa ok, mas como ela foi executada?

Uma das notícias pré-estreia de Inumanos que mais causou rebuliço foi a declaração do diretor da série, Roel Reiné, dizendo que Inumanos foi filmado às pressas e com baixo orçamento, e isso era o que exatamente a Marvel queria. Disse inclusive que sua escolha na direção foi por ser justamente um diretor especializado em trabalhos assim. Bem, não é o tipo de declaração que levantaria o astral que já estava morno para a série. Nem tanto pela questão do baixo orçamento, pois ter altas verbas para as gravações é um luxo para poucos, mas o problema está no pouco tempo disponível para as gravações e todo o resto necessário de produção e pós produção que uma obra dessas exige. E durante os dois primeiros episódios esse defeito é facilmente notado. O golpe de Maximus para assumir o trono dos Inumanos, em termos de roteiro e narrativa, é algo patético. Pois, além de mostrar superficialidade na construção de tal personagem (inclusive se aproveitando propositalmente, como em um atalho, da antipatia do público pelo ator proveniente de Game of Thrones), é ultrajante a forma como ele consegue convencer não apenas a população, mas também toda a Guarda Real de Attilan a se voltarem contra a Família Real. Tudo bem que o sistema de castas é algo que gera revolta, mas nada foi elaborado para que isso não aparente ser apenas uma canetada, principalmente num mundo onde esse sistema já funciona há séculos. Mas realmente convencer toda uma Guarda Real a seguir suas ordens daquela forma foi algo intragável, capaz de deslocar o espectador da já pequena imersão na história.

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Os personagens da Família Real também são meros rascunhos do que poderiam ser. Eles nos são apresentados com grandes e evidentes conveniências de roteiro. Seus poderes e habilidades tão marcantes nos quadrinhos são contornados facilmente através de um poder elétrico em suas cabeças usada por uma guarda genérica sob o comando de Maximus. Deixando a impressão de que eles estão nesse alto escalão das castas apenas por hereditariedade, e não pela sua liderança ou nível de poderes. O personagem que melhor descreve isso é Karnak, que em uma batalha mostra o seu poder estratégico de achar uma falha em qualquer coisa, e logo depois cai bisonhamente de cima de um penhasco que estava tentando descer. Gorgon com suas patas animalescas aparentemente é apenas um “capitão do mato” do Raio Negro. E a Medusa tem seu cabelo raspado logo no primeiro episódio; bem, isso eu não sei se é um favor ou não para o espectador, já que os efeitos especiais de seus cabelos estavam sofríveis. Destaque especial para Dentinho neste quesito, que está parecendo uma colagem digital em cima da imagem. Uma clara limitação de orçamento, que prejudica também na pobre ambientação de Atillan e caracterização dos inumanos genéricos. Mas ainda não chegamos nas personalidades dos personagens principais, que é um outro ponto negativo.

A personalidade de alguns personagens são um dos defeitos mais “pericletantes” da série. Principalmente a Medusa, que é reduzida a apenas uma tradutora de seu marido, que não fala devido ao seu grande e destrutivo poder na voz. E, embora aparentemente a trama possa caminhar para um maior empoderamento de Medusa, fiquei decepcionado em vê-la de forma tão dependente de Raio Negro, já que ela é um forte símbolo de liderança nos quadrinhos. Falando em Raio Negro, estava curioso para saber como iriam representar o rei silencioso, já que as falas tem fundamental importância para a construção de um personagem, principalmente em um seriado de TV; acharia até uma boa solução usarem legendas em certos momentos para os sinais do Raio Negro, porém acharam uma solução mais simples e um tanto burra ao colocarem a Medusa como sua tradutora até em momentos fechados com sua própria família; é meio ilógico que os próprios familiares não entendam sua linguagem de sinais. O ator acaba tendo que exagerar nas caras e bocas para ajudar nisso, fugindo um pouco da seriedade do rei nos quadrinhos. Raio Negro mostra-se um líder pacifista, incapaz de gerir uma simples crise, refugiando-se em sua redoma para pensar e limando sua esposa de suas decisões. Ficamos até achando que a liderança de Maximus, que promete igualdade e o fim do sistema de castas, possa realmente ser melhor do que a dele.

Enfim, muita água há de rolar na série. Inumanos tenta, na medida do possível, respeitar minimamente a identidade visual e um pouco da essência dos personagens principais, esbarrando nas já esperadas dificuldades. Pode ser que a evolução dos episódios possa melhorar o rumo da série, já que o pior, a construção e problematização da trama, já passou. Mas, de toda maneira, pedir uma chance de continuar assistindo depois desses dois primeiros episódio seria demais. Talvez a série possa chegar no mesmo nível de Agents of Shield, a outra série de produção da Marvel fora da Netflix. É um nível que eu particularmente não gosto, mas há quem goste.

Veredito

Já que me propus a dar o veredito se Inumanos é toda essa água que estavam anunciando ou não, minha resposta é: Sim. Inumanos é fraco e subestima a capacidade do público. Mas tem possibilidades de melhora. Não é aquele desastre todo (até porque estavam esperando uma bomba nuclear), mas isso ainda não faz dela uma série aceitável. Como fã de quadrinhos, de cultura nerd e de séries, falo isso com desgosto, mas, como um crédulo positivista ingênuo, quero acreditar que Inumanos irá melhorar. Assim que acabar a primeira temporada prometo fazer uma crítica aqui no Tarja, e queimarei minha língua de boa vontade se a série evoluir e melhorar seu nível. Aguardemos!

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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