Lion – Uma Jornada para Casa é um daqueles filmes edificantes baseados em fatos. O longa-metragem dirigido pelo estreante nos cinemas Garth Davis, conta-nos a linda e emocionante história de Saroo, jovem indiano de apenas 5 anos de idade que se perde de sua família e tem que se virar sozinho a milhares de kilometros de distância de sua casa. Filme que concorreu ao Oscar em 6 categorias, inclusive a de Melhor Filme de 2017, porém não saiu vencedor em nenhum quesito. Apesar de pecar em pontos que irei elencar mais pra frente desta crítica, a história de Saroo consegue se provar um bom filme além de uma adaptação competente à história real.
Saroo e Guddu (Abhishek Bharate) são dois irmãos que vivem com sua outra irmã mais nova e sua mãe, Kamla (Priyanka Bose), em Ganesh Talai, um bairro na cidade de Khandwa, na Índia Central. Guddu, o irmão mais velho é um grande exemplo para Saroo, os dois ajudam no trabalho de carregar pedras da mãe. A situação econômica da família era precária e, às vezes, Guddu ganhava alguns trocados varrendo vagões de trem. No fatídico dia, após muita insistência de Saroo, Guddu leva seu irmão para também trabalhar nos vagões à noite. Porém, por uma infelicidade do destino, os irmãos se separam e Saroo acaba dentro de um trem que o leva até Calcutá, uma grande metrópole do estado de Bengala, há 1.600 km de distância de sua família. Tendo que se virar por conta própria em um lugar hostil e de língua diferente, dá-se início à sua longa jornada para casa.
Lion é baseado no livro Uma Longa Jornada para Casa, escrito por Saroo Brierley, o próprio protagonista da história, que narra a sua jornada de vida que é simplesmente impressionante. Sabemos que casos como o dele realmente acontecem aos montes, e, em sua grande maioria, o destino é triste e trágico. A de Saroo também segue essa premissa até ser adotado por um casal australiano. Com a sorte a seu favor, Saroo consegue um destino diferente de muitas crianças que sofreram ao seu lado, porém a sombra de sua família “deixada para trás” sempre o atormenta.
O desconhecimento do destino de sua família: o que aconteceu com Guddu; como eles reagiram com o seu próprio desaparecimento; são ideias que também perturbam o espectador. A identificação é imediata, nos transpondo para o lugar dos envolvidos. E acompanhar a jornada da criança de 5 anos, perdida, sozinha em mundo como o nosso, nos sensibiliza ainda mais. A cada momento que Saroo olha perdidamente para o nada, lembrando de seu irmão, do aconchego do único cômodo de sua pobre casa ao lado de sua mãe, sem nem ao menos saber o nome de sua cidade, são momentos que nos fazem pensar e refletir sobre como o mundo e o destino podem ser tão cruéis.
Os atores que dão vida à Saroo, vão muito bem. O já conhecido Dev Patel, de “Quem Quer Ser Um Milionário“, na fase adulta, e, principalmente, Sunny Pawar, enquanto criança. A fotografia do filme também não deixa a desejar, explorando locais da região e takes que valorizam o olhar perdido dos personagens e a sombra do passado. Outra coisa interessante é o uso da tecnologia na história, na segunda fase do filme vemos que Saroo usufrui dessa tecnologia, e percebemos o quanto que a falta dela no passado, mesmo um simples celular, fez, e ainda faz, diferença para muitos destinos.
A história é bonita e comovente. Porém, agora falemos sobre o filme em si, estruturado como uma longa-metragem. Apesar de não haver grandes possibilidades de seguir caminhos diferentes, já que o filme é baseado num livro sobre uma história real, fica gritante aos nossos olhos a diferença entre as duas fases do filme: Saroo criança e Saroo adulto. A primeira é clamorosamente mais interessante que a segunda, até por motivos óbvios da própria história: acompanhar as aventuras e perigos da infância de Saroo nem se compara com a fase mais engomadinha e dramática na sua vida adulta.
Um trabalho roteirístico é adaptar uma história, seja ela qual for, para uma estrutura que desperte o interesse do espectador na plenitude de toda a sua história Percebemos que faltou um equilíbrio maior entre essas duas partes supra-citadas da trama. Percebe-se até uma barriguinha de roteiro na parte dramática da vida adulta de Saroo. Talvez uma saída para isto seria o uso de flashbacks, narração, entre outras possibilidades. Alternativas que misturariam e linkariam as duas partes distintas dentro do roteiro, para que o filme não tivesse momentos tão contrastantes com relação ao fascínio despertado no espectador. Porém, mesmo com esses problemas, ao final nos entregamos novamente à emoção da história.
Lion – Uma Jornada para Casa é um bom filme, que conta uma história forte, envolvente, e, principalmente, comovente. Acompanhar esta jornada de Saroo, mesmo com as já citadas barriguinhas de roteiro, mostra que o poder desta história supera qualquer defeito cinematográfico apresentado, revelando-se uma excelente experiência. E o detalhe do título da produção se chamar Lion é a cereja no topo do bolo. Enfim, um bom filme.