Filmes sobre a Segunda Guerra existem aos montes. Mesmo 70 anos após ao grande holocausto promovido pelos nazistas e seus aliados, o assunto ainda é muito presente em nossa história e cultura. E não é para menos, tamanho genocídio ocorrido por uma ideia repugnante de supremacia ariana e preconceito tem que estar sempre presente na consciência e no inconsciente das pessoas para que isso nunca mais ganhe espaço dentro de qualquer sociedade. E os filmes dessa temática cumprem bem este papel, até melhor que os próprios documentários. Vermos histórias e dramas, geralmente baseados em fatos reais, é uma forma única de atingir às pessoas que, felizmente, não presenciaram tal violência dos campos de batalhas e nem ao massacre aos judeus e outros povos.

Os Meninos Que Enganavam Nazistas é justamente uma dessas adaptações de uma história real sobre a Segunda Guerra à dramaturgia do grande ecrã, porém em uma perspectiva diferenciada das demais obras. Uma jornada de sofrimento, companheirismo e amadurecimento de dois irmãos judeus pela França sob o domínio dos nazistas. Baseado no livro autobiográfico Un Sac de Billes, escrito pelo francês Joseph Joffo em 1973, o longa reconta os passos do autor (Jojo) junto de seu irmão Maurice (Batyste Fleurial) durante a ocupação dos nazistas na França. Acompanhamos as aventuras, perigos e momentos de reencontros familiares dos irmãos Joffo com a guerra rolando em segundo plano. Uma visão que, interessantemente, foge dos padrões de filmes com a temática da Segunda Guerra Mundial.

Adaptar qualquer obra pode se tornar uma situação um tanto ingrata. Pois, apesar de já pré-existir uma história roteirizada, a tarefa de transferir a trama das páginas do livro para os projetores do cinema pode não ser tão fácil. Principalmente quando se trata de uma história real, pois sabemos que muitas coisas que acontecem na vida não são tão dramáticas ou epopeicas como a mídia cinema exige: mocinhos, vilões, curvas dramáticas, etc. Fazendo com que o diretor e o roteirista optem por adicionar elementos fictícios numa história real para que a trama se desenvolva com os tais padrões cinematográficos. Porém o diretor de Os Meninos Que Enganavam Nazistas, Christian Duguay, acerta no tom ao explorar uma maior verossimilhança da história base e fugir do que podemos chamar de “mesmices” dos filmes sobre a Segunda Guerra.

Não estou querendo dizer que no filme não exista uma crítica à tragédia acontecida. Muito pelo contrário. Observamos muito bem o quão odiáveis são os nazistas (figuras rígidas e cruéis, diferentes dos italianos que ocupavam o sul da França) e o quão abomináveis eram os franceses que se aliaram às tropas de Hitler para matar seus próprios compatriotas semitas. Porém o foco deste filme é a relação entre os dois irmãos JoJo e Maurice, como um protegia o outro na sua própria maneira e como essa jornada de fuga e de alguns sofrimentos os calejaram e os uniram para sempre. Como o próprio título diz, uma jornada onde eles sobrevivem graças ao ato de enganar, por diversas vezes, não só a nazistas como também a maioria das pessoas. E o próprio desenvolvimento de como eles passam a dissimular histórias para sobreviverem, desde o teste com o pai, Roman (Patrick Bruel), evolui em sua jornada.

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De certo que algumas dificuldades impostas pelo roteiro são resolvidas com algumas facilidades. O que pode prejudicar na imersão da dramaticidade em alguns momentos, mas é nítido que Duguay seguiu um caminho menos ficcional e mais fiel ao livro, felizmente para os irmãos Joffo na vida real. Não seguir o conselho do pai de não confiar em qualquer um não apresentou muita consequência, pois em seus caminhos eles encontraram um coiote confiável, um clérigo disposto a se arriscar para ajudá-los, e algumas outras soluções efetivas e fáceis em alguns momentos. Mas, mesmo assim, o caminho de Jojo e Maurice não deixa de ser de sofrimento. E isso é importante.

O que Os Meninos Que Enganavam Nazistas nos mostra é que não foram só os que tiveram suas casas bombardeadas, ou lutaram nos campos de batalha, ou os que foram enviados para os campos de concentração que sofreram durante o holocausto. O sofrimento existiu e ainda existe de diversas maneiras e em diversas camadas. E mesmo que Jojo não tenha sido mandado para os campos de concentração, ou que não tenha perdido toda sua família, não quer dizer que ele não sofreu. O filme se propõe a ter um sofrimento muito mais poético do que físico. Fugindo assim de alguns clichês de filmes com a temática da Segunda Guerra.

Os Meninos Que Engavam Nazistas é uma boa pedida para você que queira ver uma história emocionante dentro da Segunda Guerra Mundial, sem aqueles óbvios requintes de crueldade, mas, ainda assim, profundo, crítico e bastante poético.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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