Diversas vezes, enquanto estou no transporte público a caminho de casa, após um dia cansativo de trabalho, recapitulo brevemente os acontecimentos mais importantes do dia e percebo que muitos deles se repetem. Acordar por volta das 6 da manhã, tomar café, banho, se vestir, mochila, fones de ouvido, caminhada, transporte, elevador, mesa de trabalho… É o evento que nós, terráqueos, chamamos de rotina, mas o curioso é que, por mais que esses eventos se repitam, nenhum deles acontece da mesma maneira que no dia anterior. A música que escuto hoje nos fones de ouvido não é a mesma de ontem, as pessoas ao meu redor no transporte público não são as mesmas de ontem, etc… Este é, portanto, o tema do longa Paterson, dirigido por Jim Jarmusch: a rotina, apesar de nos dar a impressão da repetição, é também um campo de possibilidades.

O filme acompanha uma semana na vida do casal Paterson (Adam Driver) e Laura (Golshifteh Farahani). Ele é um motorista de ônibus na pacata cidade de Paterson, Nova Jersey, que vez ou outra pesca algumas conversas ocasionais de passageiros, e que, nas horas vagas, se dedica à leitura e escrita de Poesia em seu “caderno secreto de notas”. Laura, por sua vez, é uma mulher jovem que sempre incentiva o marido a publicar seus poemas, e ainda está galgando seu próprio lugar no mundo.

O ritmo do filme é notoriamente mais lento do que o de outros filmes que estamos acostumados a assistir, o que pode causar certo enfado no espectador que não está habituado a isto. Do mesmo modo, grande parte das cenas se dá em som ambiente, sem trilha sonora, que, por sinal, é bastante apagada. Mas é compreensível a adoção de tais recursos cinematográficos, pois o intuito é fazer o espectador entrar na onda da rotina. Todo dia, Paterson acorda por volta das 6 horas, come seu cereal, dirige seu ônibus, retorna pra casa, passeia com o cão Marvin e faz uma pausa no bar local. Todo dia a mesma rotina, mas sempre com uma ou outra coisa diferente…

Palmas para a atuação de Adam Driver! O nosso Kylo Ren soube imprimir sua marca nesta película, fazendo uso de trejeitos e modos de expressão que conferiram ao personagem um efeito ao mesmo tempo cômico (sobretudo nos passeios com Marvin) e dramático (como nas cenas em que o personagem se debruça sobre a Poesia). A personagem de Golshifteh Farahani cumpre bem seu papel de interlocutora na rotina de Paterson, apesar da atuação de Kylo Re… Ops, Adam Driver, ser notoriamente melhor.

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Há um contraste bastante bacana no filme, pois a cidade de Paterson é o lar de pessoas totalmente pacatas, como é o caso do motorista de ônibus que protagoniza o filme, mas, ao mesmo tempo, ao longo das cenas no bar, o espectador conhece  uma cidade que é um férvido caldeirão cultural, que já acolheu poetas (William Carlos Williams, o favorito de Paterson); músicos de Jazz e Rock; é a cidade de Lou Costello, famoso comediante norte-americano, que atuou por anos juntamente com William Abbott (sim, foi dessa dupla que o diretor Denis Villeneuve tirou o nome dos alienígenas de A Chegada, cuja crítica você pode ler aqui)… Anyway, todas essas menções culturais enriquecem o caráter poético do filme, proporcionando uma boa experiência para quem conhece tais obras/artistas, ao mesmo tempo em que atiça a curiosidade do espectador que não as conhece. Esse caráter poético do filme atribui à película um tom mais intuitivo do que propriamente racional, reflexivo, e tempera as cenas com sutilezas bacanas.

Apesar da trilha sonora praticamente ausente e do ritmo arrastado do filme, Paterson é um bom filme, proporcionando cenas agradáveis, cômicas e dramáticas, com uma trama OK e uma boa atuação de Adam Driver. O desfecho do filme é, por fim, uma pergunta, que é algo do tipo “você se sentiria um peixe fora d’água se vivesse fora de sua rotina?”.

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