Viajar no tempo através da literatura nacional é um dos benefícios obtidos através da leitura de clássicos variados. Não duvido disso e acho que esta viagem fica melhor ainda quando encontramos no conteúdo de um livro elementos de crítica social e política, assim como acontece na obra Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.

Triste fim de Policarpo Quaresma foi publicado originalmente em formato de folhetim em 1911 pelo Jornal do Commercio e 4 anos depois como livro em edição paga pelo próprio autor. O romance narra o destino tragicômico de um homem ingênuo e patriota: o Major Policarpo Quaresma. Uma figura que causa estranheza em seus vizinhos pela força de seus ideais e sua coragem em defendê-los. Dividido em 3 partes, o livro nos apresenta o cotidiano do protagonista e as várias camadas de sua personalidade tão apaixonada pelo Brasil além de críticas aos problemas rurais do país e a desilusão com a política.

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O primeiro destaque sobre a experiência de conhecer a jornada de Policarpo Quaresma está justamente no estilo narrativo. Além da divisão dos acontecimentos em cada parte do livro, tem o fato do autor narrar a sua história em terceira pessoa. Isso permite que vejamos não só as ações excêntricas dele em seu cotidiano, como a repercussão delas no âmbito social. Desse modo, o leitor percebe o quanto é importante prestar atenção em tudo o que está acontecendo ao redor e não apenas na vida do protagonista.

Outro detalhe sobre a escrita de Lima Barreto é como ele descreve cuidadosamente o fanatismo patriótico de Policarpo. Na primeira parte de sua obra, conhecemos este homem que busca adequar seu dia a dia a tudo que for tipicamente brasileiro: comidas, música, roupas e até mesmo cultura indígena. Mais precisamente, o aprendizado do tupi-guarani. Este último item ganha uma importância maior quando, por causa dele, Policarpo acaba tendo uma parte de sua vida interrompida. 

Um terceiro aspecto que merece ser observado está na forma como o narrador se “comporta em seu trabalho”. Não há julgamento, apenas uma narração imparcial. Isso permite que nós tenhamos a liberdade de interpretar os fatos e personagens como é o caso de Ricardo Coração dos Outros. Durante a leitura, em vários momentos percebi no amigo e professor de violão de Policarpo um homem que depende muito da aprovação das pessoas quando o assunto é o seu trabalho musical. Isso fica mais evidente quando seu sucesso na alta sociedade começa a ser ameaçado após o surgimento de um músico negro, o que desperta nele o sentimento de preconceito racial e baixa autoestima.

São em situações como essa que a obra apresenta a sua característica principal: a crítica social e política. Isso é perceptível tanto na forma como o autor retrata personagens negros como no retrato de políticos e militares. Isso ocorre por causa do contexto histórico. Segundo esta análise de Natacha Bastos, os anos em que ocorrem as histórias de Policarpo Quaresma estão situados durante o período em que Floriano Peixoto era Presidente (1891-1894), apesar da publicação da obra ter acontecido vinte anos depois deste mandato. Aliás, sobre isso vale mencionar que Lima Barreto coloca o político como personagem em sua trama na figura do Marechal Floriano.  

– Eu não posso compreender esse tom divino com que os senhores falam da autoridade. Não se governa mais em nome de Deus, por que então esse respeito, essa veneração de que querem cercar os governantes? “

Por último, fica uma curiosidade. Assim como muitas obras nacionais, esta também foi adaptada para o cinema. Em 1998, estreou o filme Policarpo Quaresma, o Herói do Brasil com direção de Paulo Thiago e roteiro adaptado de Alcione Araújo.

Encerro esta resenha pedindo aos leitores uma chance para clássicos nacionais como Triste fim de Policarpo Quaresma. Mesmo se tratando de um livro cuja trama se passa em outro século, ainda há muitas coisas em seu conteúdo que infelizmente permanecem atuais. E, por esse motivo, precisamos continuar viajando no tempo e ver na nossa literatura uma oportunidade para refletir sobre estas questões tão pertinentes para a vida em sociedade. 

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Marcus Alencar

"Palavras importam! Uma morte, uma ondulação e a história mudará em um piscar de olhos"

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