O Decameron é um compilado de cem contos reunidos por Giovanni Boccaccio. A obra reúne contos mundanos que abordam várias questões da vida também mundana, como sexo, o amor proibido, tragédias e comédias. A obra foi escrita entre 1348 até 1353 e é considerado um marco no rompimento literário com a moral medieval e o início da retratação de valores humanistas e realistas da renascença. Baseado de forma muito livre neste conceito do livro, o filme The Little Hours traz essas questões numa comédia que brinca com o mundo medieval e suas regras sociais.

Três feiras vivem num pequeno convento lidando com suas frustrações e com o convívio diário. Subitamente um surdo-mudo chega ao convento para ajudar na carpintaria e na jardinagem. Logo se inicia uma pequena disputa entre as três moças pela atenção do sujeito, que na verdade esconde um curioso segredo.

É importante dizer que, apesar desse ser um filme que se passa na idade média, ele não se preocupa em nenhum momento em ser historicamente preciso. Percebemos isso logo numa das primeiras cenas, quando ouvimos as freiras falando diversos palavrões e gírias. Isso pode ser uma ideia muito interessante em misturar conceitos medievais com os pensamentos da comédia contemporânea, mas com o decorrer do filme percebemos que a obra é uma completa bagunça que jogou todo o seu potencial fora.

Surpreendentemente esse filme consegue ter um elenco de peso, no que diz respeito a comédia, como Alison Brie (Community e Bojack Horseman), Dave Franco (Truque de Mestre um e dois), Kate Micucci ( Lego Batman e The Big Bang Theory), Aubrey Plaza (Parks and Recreation, Scott Pilgrim e Legion), John C. Reilly (Kong e Sing), Fred Armisen (O Âncora e Band Aid) e Nick Offerman (Uma Família do Bagulho e Parks and Recreation). A direção e o roteiro ficam por conta do relativamente novato Jeff Baena. Se esse grupo de atores não te surpreendeu eu não sei o que vai, pois temos diversos nomes altamente relevantes no cenário da comédia americana.

Então como um filme desses saiu errado? Existe uma boa quantidade de motivos, mas acho que, por incrível que pareça, são os atores. Parece não existir nenhum planejamento de qual vai ser o estilo ou tom da comédia que será feita. Parece que cada um está fazendo do seu jeito, sem se importar muito com o contexto geral. Cada ator e atriz estão “interpretando” suas próprias personas que todos nós já vimos em outras obras. Aubrey Plaza parece ter decidido que ela interpretaria uma freira que age de forma completamente histérica, psicótica e que maltrata todos que a cercam sem motivo nenhum, como se fosse uma adolescente, líder de torcida, tão insuportável que mal se aguenta. Kate Micucci está fazendo praticamente o mesmo papel que faz em The Big Bang Theory. O roteiro de Jeff tem momentos bons, mas parece que fez questão de transformar uma história criativa e única numa comédia adolescente no melhor estilo American Pie.

O mais estranho deste filme é que ele mal tem piadas. Parece que o diretor se contenta com cenas como três feiras que decidem, SEM MOTIVO NENHUM, espancar um homem que deu bom dia para elas. “Olha freiras falando palavrão e humilhando uma pessoa sem motivo, isso é engraçado”, e isso é colocado sem nenhum contexto na trama. O filme é repleto de cosias assim. Diversos momentos seriam, supostamente, engraçados pelo simples fato de estarem sendo feitas por freiras e padres. O tipo de coisa que só é engraçada para quando se tem treze anos e ri da simples menção da palavra “pênis” ou “vagina”. Gritos histéricos é a palavra de ordem nesta produção. O simples ato de gritar histericamente e humilhar outras pessoas parecem ser as coisas mais engraçada do mundo para se colocar num filme.

Fazer uma comédia que lida com sexo demanda certo refinamento para não cair na “tosqueira” total. Fazer isso dentro do contexto da Idade Média demanda mais inteligência ainda; e fazer isso tudo com freiras e padres demanda o dobro de inteligência. A direção e o roteiro também não apostaram no absurdo completo no estilo Monty Python em Busca do Cálice Sagrado. Fica bem no meio do caminho fazendo de tudo para ser só mais uma comédia “pastelona”. Realmente parece que tal história foi escrita por um adolescente que achava que estava fazendo uma obra altamente transgressora, mas acabou só realizando só mais um filme de comédia padrão, que, por acaso, se passa na Idade Média.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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