Por muito tempo a ficção científica foi considerada um subgênero do cinema e sinônimo de uma produção de baixa qualidade, porém, nos anos 60, surgiram alguns títulos que começaram a mudar esse cenário. Star Trek, 2001 e diversos outros filmes começaram a colocar a ficção científica no centro das atenções do grande público e “A Viagem Fantástica” é um desses títulos que influenciou uma geração pela sua inventividade e efeitos especiais muito bem feitos (para os padrões da época).
Este é um longa de ficção científica pesada, com algumas pitadas de aventura. Gasta-se um bom tempo explicando todos os conceitos que fundamentam a trama e a tornam “cientificamente precisa”. Uma sinopse rápida do filme: Um importante cientista sofre um atentado e um pedaço de metal se aloja em seu cérebro. Uma cirurgia normal é inviável neste caso, e por isso uma equipe de outros cientistas são miniaturizados, junto a um submarino nuclear, para realizar a operação necessária para salvar a vida da vítima.
Todo o processo do raio encolhedor, do submarino e do funcionamento do corpo humano são calmamente detalhados e e cada nuance da missão surpreendentemente precisos e explicativos, tanto que os protagonistas só começam sua jornada com trinta minutos de filme. Fica claro que o roteiro e a direção se preocupam em primeiro lugar com a ciência e todo o resto é secundário. Os personagens têm personalidades de papelão e se relacionam muito pouco entre si.
A grande importância de “Viagem Fantástica” foi gastar uma boa quantia em tentar criar um visual crível que simule o interior do corpo humano. Para nossos olhos, extremamente treinados em um mundo cheio de efeitos digitais de hoje, este filme pode parecer no máximo “ajeitadinho”, mas, como sempre falo aqui no TarjaClassics, devemos colocar a obra em seu contexto. Neste caso estamos falando de um longa que foi feito em 1966 e se propôs a mostrar na tela um submarino viajando pela corrente sanguínea, sistema linfático e sinapses nervosas, e que logo nos seus primeiros segundos, um grande aviso é mostrado na tela onde a produção diz que pretende fazer um trabalho de previsão futurística, pois a humanidade cada vez mais avança no campo da ciência. Acho isso muito interessante, pois é como se o filme dissesse para o público que em breve ele mesmo se tornara datado e que viajar dentro do corpo humano talvez não venha a ser algo tão absurdo. De certa forma eles acertaram, pois os avanços médicos foram gigantescos desde 60 e a nanotecnologia faz o submarino atômico reduzido algo um pouco mais viável.
O decorrer da trama é cheio de clichês: O herói de queixo largo, a mocinha inteligente porem indefesa, os militares firmes e decididos e um cientista um tanto excêntrico. Para nós do século XXI, alguns mecanismos de roteiro também são batidos, como ter um traidor no meio da missão e a ideia de que o objetivo tem que ser concluído dentro de um tempo escasso, se não todos morrerão. Porém o que foi verdadeiramente criativo é a forma como a biologia humana se tornou um obstáculo natural para os protagonistas. Foi essa inventividade que tornou “Viagem Fantástica” um marco na mente daquela geração que gerou ecos em diversas outras obras. Você certamente já viu alguma referência a este filme, ou uma paródia, em algum outro lugar. Outra coisa interessante são os flertes de discussão sobre a existência de Deus ao longo do filme. Dois cientistas debatem sobre a necessidade de uma “inteligência criadora” para formar tudo aquilo que eles estão presenciando.Tudo isso enquanto observam a troca de dióxido de carbono por oxigênio dentro das células, o processo de respirar em seu nível mais profundo. O ato da vida diante dos seus olhos.
Dr. Peter Duval: “The medieval philosophers were right. Man is the center of the universe. We stand in the middle of infinity between outer and inner space, and there’s no limit to either.“
Muitos acreditam que o roteiro é baseado numa obra de Asimov, mas na verdade ele foi responsável pela novelização do filme e por escrever um livro que funcionava como uma continuação da história original, intitulado “Viagem Fantástica II: Destino Cérebro”. O roteiro original é de Jerome Bixby, que é responsável por ótimas obras de ficção cientifica, e Otto Klement. A adaptação foi realizada por David Ducan e Harry Kleiner. A direção ficou por conta de Richard Fleischer que tem em seu currículo filmes como “Conan: O Destruidor”, “20.000 Léguas Submarinas” e “Tora Tora Tora”.
Um aviso importante: Este é um filme bem lento e talvez fique um pouco difícil se sentir completamente interessado por ele logo no início. A preparação da tripulação demora bastante, pois é o objetivo do diretor mostrar cada detalhe do procedimento cientifico, o que em termos de cinema pode ser um tanto massante as vezes. No interior do corpo humano as coisas também correm bem devagar, pois é utilizado bastante fio de arame e água, o que torna a movimentação dos personagens algo bem lento. É preciso mergulhar na época e na proposta do filme para aproveitá-lo. De fato é uma obra datada, mas muito do seu charme está justamente nisso.