2017 foi o ano das adaptações de Stephen King para as telas. Contabilizando entre filmes e séries foram 5 produções baseadas em suas obras. E para fechar o ano das adaptações do autor, a Netflix depois de ter produzido a controversa série O Nevoeiro e o excelente filme Jogo Perigoso, lançou mais uma produção inspirada na obra de King em seu catálogo: 1922, a sexta obra baseada nele em 2017. O filme adapta o homônimo conto do livro  Escuridão Total, Sem Estrelas, lançado em 2015. E assim como o material base, o filme 1922 conta a história de um crime que parece inevitável, com uma cumplicidade misteriosa e uma punição insuportável.

Wilfred James (Thomas Jane) é um homem do campo, agricultor, que sonha em deixar suas terras e seu legado rural para o seu único filho no futuro. Quando sua esposa recebe 40 hectares de herança, seus planos crescem, porém ela não compartilhava do mesmo objetivo. Arlette (Molly Parker) odiava a vida no campo, e queria vender sua herança para que pudesse viver na cidade. Com esta questão posta, Wilfred planeja liquidar este problema da forma mais “prática” possível, e para isso tenta angariar a ajuda de seu filho Henry (Dylan Schmid) para que seus planos se concretizem.

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Como no Crime e Castigo de Dostoievski, 1922 é uma história sobre como certos caminhos e escolhas podem levar uma pessoa ao fundo do poço como punição. Esta premissa é até um tanto simples, porém os requintes desta trama está em como ela é contada. Aqui que entra os créditos à direção de Zak Hilditch e, principalmente, à narrativa característica de Stephen King. O autor sabe como ninguém penetrar na mente de seus personagens e, por consequência, dos leitores/espectadores. Em 1922 mergulhamos dentro da cabeça de Wilfred, bebemos de suas ambições, seus planejamentos e, por fim, de seus arrependimentos. O filme começa mostrando um ponto no futuro onde Wilfred escreve um documento de confissão de crime em um quarto de hotel, e da mesma forma que ele vai relembrando dos acontecimentos para descrever na folha em branco, acabamos também por acompanhar essa jornada na memória do personagem. Somos levados ao ano de 1922, e acompanhamos a história da degradação de um homem. E este é o verdadeiro horror do filme.

Como sabemos que o filme é uma adaptação de uma obra de King, esperamos algum tipo de horror ou terror no longa. Não é uma regra, pois outros filmes consagrados baseados em obras do autor não são de terror, como Um Sonho de Liberdade e À Espera de Um Milagre. Porém, de certa forma, o horror sempre acontece. Este horror não é feito por entidades escabrosas e horripilantes, King tem o incrível talento de fazer o mais simples sentimento dentro do ser humano se tornar o verdadeiro e assustador horror. Em 1922 observamos como Wilfred é tentado por seu lado frio e meticuloso que, segundo ele, existe em todo homem. O homem que não só planeja matar sua esposa para que seus problemas desapareçam, como também o homem que alicia psicologicamente seu filho para que este o ajude. O sentimento que nos é causado por observarmos como Wilfred tenta convencer seu filho, Henry, a matar sua mãe é perfurante. Um horror psicológico. Vermos uma pessoa abusar e manipular psicologicamente de um jovem é assustador, ainda mais quando percebemos que é algo tão corriqueiro de se acontecer.

Uma outra camada que o filme aborda, e que também é bem característico na composição de personagens de King, é o teor misógino que acompanha o crime. Arlette é uma mulher infeliz que desejava mudar de vida e morar na cidade, e que com as terras herdadas via agora a oportunidade de conseguir seu desejo com suas próprias pernas. Porém Wilfred não aceita, e junto com isso vem toda a carga machista que era comum na época, mas que já era repugnante: A forma como ele constrói o ódio em seu filho para com sua mãe; o jeito que ele invejava a mulher submissa de seu vizinho Cotterie (Neal McDonough); o conceito de que a mulher era assunto de seu marido e nada mais; tudo isso vai construindo o odor misógino dos acontecimentos do filme, e é onde, mais uma vez, King estabelece seu horror que incomoda no âmago dos leitores e espectadores.

Um outro sentimento importante que o filme aborda é a culpa. Com o desenrolar da história Wilfred percebe que aquela decisão tomada por seu “outro eu” frio e meticuloso, despertou também o “outro ser” dentro de seu filho. Matricídio é um dos piores pecados, e o próprio Henry se culpava por isso, tanto que ele desejava que não existisse Deus para que não existisse também o inferno. Wilfred só se deu conta disso quando a punição lhe tirou tudo, mas a culpa sempre o acompanhou, em forma de rato. Uma alegoria perfeita para a culpa. Um ser indesejável que se esgueira nos encanamentos mais profundos de nossa mente, e que corrói tudo. Inclusive a si mesmo. A culpa. O rato. Não poderia faltar um pouco do dúbio misticismo nas histórias do King, a culpa se torna o próprio fantasma de Arlette, trazendo uma certa dúvida se aquilo seria uma punição divina ou apenas uma ilusão da mente de Wilf. Mas, durante a revelação aos ouvidos do fazendeiro, podemos concluir que aquilo era real.

1922 se torna uma versão de Stephen King de uma jornada de crime e castigo. Um drama pesado com toques de horror psicológico muito bem construído. A todo momento nos pegamos com aquela angústia de estarmos observando algo verdadeiramente terrível. Um horror sem sustos, mas que te abalará por um bom tempo. Não é a melhor adaptação de King do ano, mas é uma boa pedida para encerrar o ano do Mestre do Horror nas telinhas e telonas. E se prepare porque em 2018 teremos mais 5 adaptações.


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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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