D’noitinha, fico olhando o céu, imaginando o tamanho desse mundão de meu ‘sinhô’. Penso nas mazelas que prendem minha gente, no suor e na dor. Fico de cá imaginando, se em cada canto desse pedaço de chão, existe alguém, que como os meus, se levanta ao raiar do dia. Se toda a boa gente, que vive do lado de lá, anseiam por chuva. Será que eles precisam ver gado morrer? Queria um dia poder andar por outras paragens, mas não por diversão. Queria só observar oculta, o que torna as terras do sul tão prazerosas, que nos obriga a abrir chão, sempre que o sertão castiga. Rogo pelo o ‘sinhô’, Deus pai, para me alumiar. Para que eu entenda, a razão d’água só cair de lá.

Amanhã de manhãzinha, vamos caminhar até uma cidadezinha, a uma milha de distância. E com fé, terei o que bebericar. E mesmo que não tivesse, só de ver a alegria estampada naqueles rostos cheios de marcas, é suficiente para me saciar. Sensação melhor que o alivio da chegada, é a hora da partida. Regressar para relevos que conheço. Voltar ao lar.

Meu olhar muda de direção, e recai sobre um par de ombros largos porém magros. Tenho a sensação de que a qualquer hora, vão estrebuchar para fora. Esses ossos são do homem que tira de sua boca para me alimentar. É nele que se concentra todo meu bem querer. Meu rosto pende, e eu continuo a olhar, reparando a imensidão a minha frente. Percebo que belo contraste se faz quando olho suas costas arqueando. Isso me acalma. Hoje eu o ouvi falar sobre a seca, enquanto labutava. Suor lavava seu rosto. Dizia que a estiagem é a pior desde tempos. Praguejou toda a situação, excomungou os homens de terno e os acusou de abandono. Arou a terra com tamanha força, que teve de sentar no chão. Ficou amuado por bastante tempo, expeliu dos olhos a água que não tinha.

Me remexo, procurando uma posição. Parando para pensar no acontecido, não entendo bem o motivo de tanta arruaça. ‘Sinhô’, Deus pai, por nós irá velar. Eu tenho que acreditar. Um dia os peregrinos, vão cortar o chão nas terras divinas. Eu tenho que acreditar, tenho! Esse povo, que mesmo injuriado, vivendo com tão pouco, plantando em chão ávido, economizando cada gota d’água, que comemora o nascimento de mais uma cria e tira da boca, para que ela tenha o que comer, é digno. Essa é minha gente! São como os pássaros, esse povo. Saem de sua morada, em algumas épocas do ano, por necessidade do viver. Mas assim que chega na nova parada, não vê a hora de voltar, para onde, de certo, lhe quer bem.

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Me viro, olhos vidrados no caminho que cruzarei daqui algumas hora. Levarei minha terrinha comigo, seja onde for. Andarei braço a braço entre os meus, até chegarmos no nosso destino. E assim que lá tiver, eu poderei assistir os sorrisos voltando para o seus rostos. E quando acontecer, me sentirei vitoriosa de novo.

A autora

Thayná Cavalcante é de Goiânia, cursa letras na Universidade Federal de Goiás. Faz da literatura um hobby e também uma profissão. Ama livros e gatos. Também gosta de Ballet Clássico, Jazz, Rock Nacional e filmes de animação. Relatos do Sertão é sua segunda participação no L&P.

 

 

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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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