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Alguns meses se passaram e nada de Adonai procurar por Maribel que já estava certa de que o marido talvez já tivesse se relacionando, ainda que informalmente, com outra pessoa. Ele não voltaria para divorciarem-se? Mas cadê a disposição dele em encará-la para tanto? Como todo bom culpado, Adonai sentia que ela sabia que ele sabia que não havia sido traído coisa nenhuma. Não conheceu verdadeiramente a mulher para ter acesso ao que realmente aconteceu: que ela preocupou-se com o fato de ele estar sofrendo uma traíção da qual não foi vítima. Maribel sofria em função da sacanagem de um terceiro, não exclusivamente pelo marido ter saído daquela forma de casa. Foi muito amparada por familiares e amigos mais próximos ao passo que ao marido coube apenas fugir. E, se antes ele era torturado pelo pensamento de que estar casado era o maior de seus castigos, agora tinha uma culpa imensa com a qual lidar e que, sem dúvidas, era uma prisão muito mais severa. Como se libertar se o carcereiro perverso era agora algo atado à alma? Ainda homem incapaz de assumir suas responsabilidades, Adonai entendeu que o grande culpado de tudo era Delmiro. Se, pensava ele, o Delmiro não desse a ideia, ele jamais teria feito aquilo. Portanto, Delmiro era o grande culpado. Disso resultou uma severa crise na amizade que de fato nunca existiu. E não demorou muito até que o outro, procurando vingar-se da ingratidão de Adonai, resolveu levar a público toda a falsidade da carta escrita sobre um suposto caso extraconjugal de Maribel.

Quase à velocidade da luz, como disse uma prima de Maribel num almoço em família, toda a história envolvendo a carta que Maribel recebera viera à tona. O que mais doía na mulher agora era a inevitável conclusão de que o marido era um perfeito cafajeste. Não por querer separar-se, embora ao menos conscientemente ela jamais dera causa a uma separação, mas por ter sido tão pequeno e sujo ao ponto de fazer o que fez. Agora o sofrimento era muito mais intenso do que o do dia em que recebeu a carta. A dor era quase dilacerante. A de antes, apenas revolta. E o marido havia sido visto como outra vítima.

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Maribel adoeceu. Deixou o trabalho por um período, tempo em que até mesmo descuidou consideravelmente de sua aparência. Foi um período complicado para ela e para os familiares que a acompanharam. Até que um dia acordou cansada de sofrer. Não disse a ninguém o que lhe ocorrera para que resolvesse despertar daquele pesadelo ao qual via-se presa. Como há muito tempo não fazia, arrumou-se e procurou algumas amigas a quem convidou para um café em sua casa o mais rápido que elas pudessem ir.

No primeiro sábado depois de Maribel estar já desperta e procurando se recompor pessoal e profissionalmente, o bate papo rolou solto em sua casa. Uma das amigas levara uma nova amiga para o grupo, uma senhora risonha embora com semblante muito experiente que cativaria fácil o coração da anfitriã. E foi contando toda a sua história a essa interessante senhora que Maribel encontrou uma forma de responder ao marido covarde. Uma das amigas ficou incumbida de conseguir o novo endereço de Adonai. Seguindo orientação de dona Tereza, Maribel usou o mesmo método que o marido: enviou-lhe uma carta.

Adonai, na cidade onde estava morando, surpreendeu-se ao receber uma carta de Maribel. Imaginou uma carta dramática, cheia de acusações e talvez até um pedido de retorno. Possivelmente ela estava sofrendo muito e não superara ainda o golpe do qual foi vítima. Mas o conteúdo o deixaria completamente transtornado:

“Adonai,

Não espere por uma carta cheia de lágrimas ou coisa parecida. Eu estou muito irritada com o seu amigo Delmiro por ter escrito a você aquela carta. Muito mais brava com ele do que com você. Sim, como você já pode estar sabendo, ele assumiu ter escrito aquela carta para ajudar você a acabar com o nosso casamento. Você jamais conseguirá compreender a raiva que eu tenho desse homem a quem você chama de amigo. Eu o implorei para que não contasse a você o que ele viu na tarde em que eu e meu amante nos encontramos. O que aquele seu amigo idiota tinha que fazer naquele hotel e no mesmo andar que eu e o amor da minha vida estávamos? Sim. O amor da minha vida. O nome dele é Afonso, morava na época em Palmas, e nos encontrávamos sempre que podíamos no sexto andar do M & P Hotel , exatamente como Delmiro escreveu pra você. Nem de longe estou aqui a pedir-lhe perdão. Eu e Afonso terminamos e ele mudou-se. Não sei por onde anda. Mas pretendo procurá-lo. Sei que não mereço que você me perdoe. Você sempre foi um marido bom. Merece uma mulher muito melhor que eu. Eu já contratei um advogado para darmos início ao processo de nossa separação. Dr Coelho entrará nesta semana ainda em contato com você. Decidi que não vivo sem o amor do Afonso. Mas não quero entrar nesses detalhes com você. Seria cruel. Eu sei… Mas, como eu odeio esse Delmiro! O safado me traiu. Achei que fosse meu amigo. Aquele idiota! Assim como pretendo tentar minha felicidade com Afonso, espero que você possa encontrar uma mulher que mereça um homem bom exatamente como você. Que nós resolvamos logo essa separação. É só isso o que lhe peço. Você fez bem em sair de casa. Nunca mereceu uma mulher como eu.

Que tudo que desejamos em nossas vidas possa enfim chegar às nossas mãos.

Até qualquer dia.

Maribel”

A carta cujo texto foi redigido por dona Tereza, com pequenas sugestões de outras amigas, não foi digitada, mas copiada à mão por Maribel para que Adonai, assim como ela meses antes, não tivesse como duvidar do que leria. O texto, assim como o de Delmiro, era totalmente falso. Verdadeira era apenas a caligrafia de Maribel que jamais traíra Adonai. Afonso era fictício, assim como todas as informações que diziam respeito a ele e os sentimentos de Maribel. Delmiro foi colocado como amigo traidor de Maribel. Assim tornaria-se alguém que traíra Adonai também uma vez que tivesse fingido inventar uma história que de fato aconteceu e da qual tinha conhecimento.

Adonai criaria uma verdadeira obsessão pela carta. Leria aquela cruel confissão de Maribel inúmeras vezes ao dia. Aquela leitura seria um verdadeiro divisor de águas na vida do casal. Se um homem, o tal Afonso, amara de verdade aquela mulher, o que ele, o marido, não havia percebido nela? O que o sujeito via nela que o marido não viu? Adonai perguntava-se constantemente. Por isso, e em poucos dias, retornaria à casa onde morara com Maribel, apareceria dizendo-se apaixonado, querendo a todo custo retomar o casamento. Prometendo ser homem muito melhor que antes e fazer com que ela fosse muito mais feliz com ele, com quem já era casada, do que com o tal de Afonso, um homem que aparecera na vida dela do nada e sobre quem ela pouco sabia.

Maribel optara por sustentar pelo resto de seus dias a suposta traição sem a qual o marido seguiria enxergando-a como mulher sem atrativos e condenada à solidão. Ela tornara-se, ao menos ficticiamente, a mulher que Adonai, com sua atitude ao sair de casa, demonstrara merecer. E tão certa estava que ele de fato passou a amá-la. E amar intensamente, para surpresa de todos.

A resposta de Maribel ao marido foi um curto e redondo não. Ele tornou-se um depressivo crônico, passando a praticamente vegetar pela vida afora. Ela insistindo e conseguindo, com muito custo, o divórcio, passou a ter a vida que, de certa forma, um dia Adonai desejara para ele. A mulher passou a viajar, fazer aulas de dança, teatro e língua estrangeira, investir mais na carreira profissional e até a amar novamente, não Afonso, naturalmente, mas Paulo Augusto, homem de verdade, para quem ela teria grande valor e com quem construiria enfim um relacionamento maduro e muito feliz.

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