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_ Eu sei o que está acontecendo. Você não vai tentar me enganar, né camarada? Mas fique tranquilo. Você sabe… Camaradagem! Entende? _  disse Geraldo insinuando um pacto entre eles.

Lúcio sentia-se um tanto  perdido em seus pensamentos cada vez mais incômodos: culpa em relação à Marleide, raiva e indignação em relação ao colega denunciante e, por fim, constrangimento com relação ao colega Geraldo, ali à frente, num carro com uma mulher estranha. Embora Geraldo insinuasse pensar que Lúcio estaria ali acompanhado por outra mulher,  Lúcio tinha certeza de que o outro sabia o porquê de ele estar ali. Estava atestando sua condição de homem traído. E tinha deixado isso muito claro com seu modo de agir ao chegar.

Percebendo já ter sido sacana demais por aquela tarde, Geraldo disse por fim:

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_ Tá certo. Sei lá quem é a tal aí que você está procurando. Mas agora preciso ir. Tenho que levar esta gata pra casa.

Cabisbaixo, Lúcio Fonseca afastou-se para que o outro pudesse sair com o carro. Geraldo deu realmente uma voltinha de carro com Letícia até que o outro homem fosse embora. Durante o minúsculo passeio, explicou tudo à funcionária do motel. Ela passou a divertir-se inclusive com relação ao que sentiu a princípio.

O marido de Marleide, embasbacado com o papel de trouxa que fizera expondo-se daquela forma, decidiu não ir para casa. Precisaria pôr as ideias no lugar antes que pudesse encarar a esposa. Tinha sido vítima de uma brincadeira de péssimo gosto. Ele desconfiando da Marleide? Como caíra numa dessa?

Quanto mais Lúcio demorasse para chegar em casa, melhor… Para Marleide que, com a demora do marido, conseguiu desfazer-se de todos os vestígios da tarde, recuperar-se do mal estar causado pela mais aventurosa viagem da sua vida, tirar do rosto a satisfação por ter dado tudo certo e a gratidão ao gerente. Geraldo, ela sabia, nem de longe era o violentão imaginado por Roberto. Mas sabe-se lá, não é mesmo? Então, considerou interessante o homem temer tanto o marido imaginando-o cruel e violento. Santo, Lúcio não era. De forma alguma. Nem de longe. Mas violência definitivamente não era com ele. Porém, havia outras consequências que a mulher queria e deveria evitar. Então que o gerente pensasse o que quisesse.

Geraldo chegaria em casa muitas horas depois. Marleide já estaria preocupada com sua demora, segundo o que ele pensava. Preso à ideia de culpa por ter procurado, feito um besta, pela mulher no motel e da impossibilidade de convencê-la de que não havia ido com outra mulher caso ela soubesse pelo colega dele onde ele estivera naquela tarde, Lúcio procurou comportar-se como marido muito melhor desde então. Marleide, nada ingênua, compreendeu todo o processo e procurou corresponder às tentativas do marido para tornar o relacionamento melhor. O susto naquela tarde havia sido grande demais. Foi um grande quase. Mas no coração dela, nada de arrependimentos. O que tinha naquele momento era, sem dúvida, uma boa história para contar. Embora não soubesse ainda para quem.

Mas os sentimentos de Marleide sobre o ocorrido mudariam com o tempo. Não era seguro repetir a façanha. Ela mudaria de vida. Tinham, como passaram a se comportar, chances de viverem ela e Lúcio muito bem a partir daquela tarde. Confissões? Pedidos de perdão? Jamais. Cada um levaria para o túmulo seus segredos. O casamento agora estava supostamente bom. Sim, apenas supostamente, pois no esforço para tornarem-se parceiros melhores, seus sentimentos em relação ao outro se intensificaram e com isso o temor aprisionante de que seus segredos viessem à tona e destruíssem o que, contraditoriamente, construíram a partir de seus erros se tornava cada vez maior. Para viverem verdadeiramente em paz, seria necessário libertarem-se definitivamente daquilo que os aprisionava em si mesmos impedindo um legítimo movimento em direção ao outro. Viviam em fuga. Cada um, porém, fugia de algo íntimo, que seguia rota particular e cada vez mais solitária.

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