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_ Fui aprovada num concurso público. Terei salário compatível com o que você ganha_ disse olhando nos olhos dele_ Posso cuidar de mim sozinha e das crianças a partir de agora. De você a partir de agora não precisarei mais, já que a única coisa que faz por aqui são as compras e pagamento de despesas. Você jamais me considerou um ser humano digno de respeito. Se um dia me amou, eu jamais soube. Mas nunca ter sido tratada com respeito é um problema com o qual eu passei a me ocupar buscando resolvê-lo, por mais que demorasse.
O caso não foi simples. O homem, o poderoso chefão, havia sido enganado. Ela saia para estudar? Como achava no direito de não avisá-lo? Sentindo-se o idiota da casa voltou-se ainda mais contra ela, tornando-se agora violento também. Isso impulsionou a saída da mulher daquela casa. O processo de separação nem de longe fora amigável. Mas ela conseguiria. E depois de estar fora da casa na qual vivia com ele e os filhos, sustentando bravamente a decisão de viver longe dele, a mulher fez, sem que soubesse ou tivesse tido intenção, um turbilhão na mente e no coração do sujeito.
Pessoas passaram a vê-lo depressivo, choroso e por vezes falando em suicídio. Sem aquela mulher por perto, ele era quem? Ninguém, conforme o que ele um dia diria a um amigo. Houve , para quem com eles conviveu e assistiu a tudo o que viveram, a impressão de que ele passara a amar, de verdade, a mulher. Ela também deixou-se seduzir, por pouco tempo, por essa ideia:
_ Ah, os homens são assim mesmo. Só amam depois que perdem.
Mas a questão era mais delicada. Pode ter ocorrido tal sentimento no coração de outros homens que possivelmente perderam suas companheiras, mas, no coração de Jonas, a coisa era mais grave:
_ Você já parou para pensar o quanto essa mulher o sustentou por todo esse tempo? _ perguntou ao marido desolado uma parente dele.
_ Eu a sustentava. Nunca faltou nada.
_ Ela te sustentava, meu caro. Era no dia-a-dia com ela que você encontrava lugar para ser o homem que pensava que era. Era ela quem sustentava a sua ilusão de homem poderoso. Esse poderosão que você nunca foi fora de casa. O que me diz?
_ Eu sustentado por ela… você ficou louca… _ resmungou o suposto poderoso.
_ Nem me venha com essa conversa de que sentindo falta dela você agora a ama. O que você quer é o lugar de homem que grita, não se contém ao dizer absolutamente nada, não tem porque se corrigir, porque pedir perdão, porque achar que está, como um ser humano qualquer, errado poucas ou muitas vezes. Foi isso o que essa mulher tirou de você. É a falta disso e não dela propriamente que o faz tão mal.
Ele fez silêncio. Exceto diante da esposa, ele não era homem de botar banca. E a conversa com aquela parente estava o levando para lugares aonde não queria chegar. Ele jamais tivera poder algum. Tudo ilusão. E isso o fazia sofrer imensamente. Aquele personagem vivido em casa era o que preenchia um vazio que ele não saberia com o que preencher. A esposa havia, de certo modo, num golpe só, debochado tanto dele quanto ele fizera a prestações por anos e anos. Ele nunca olharia para ela como sendo mulher capaz de ter uma vida profissional. Ela sabia disso. E calada, mostrou, com atitudes, não com palavras, o quanto o incompetente ali era ele. E Jonas se dando conta de que as coisas estavam acontecendo sob seu nariz e nada de ele perceber.
Profissional inserida no mercado, pôde a mulher debochar até mesmo do dinheiro dele que, caso ele negasse a ajudá-la por causa do divórcio, não seria tão necessário mais. Ela não brigaria por pensão. Poderia até passar algum aperto, mas não pediria absolutamente nada a ele. O que ela mais queria? Poder viver como se ele, o grande, o poderoso, o insubstituível, fosse reduzido a nada. Um nada que ele agora poderia reconhecer a ponto de pensar que não havia mais porque continuar vivendo. Mas ninguém morreu nesta história. Com o tempo, ele também procurou se tratar e viu que se não era quem pensava que era. Pôde descobrir-se tornando um homem melhor, querendo então ser o que é.
Jamais se reaproximaram. Ele tentou ser amigo dela e, mais uma vez, foi rejeitado. Entristeceu-se, mas não como antes. Em terapia aprendeu a vê-la como alguém digno cujas vontades devem ser respeitadas e, poucos anos depois, casou-se novamente, não sendo nem de longe o marido que fora à primeira esposa.
Ela preferiu dedicar-se à carreira profissional, mas não se fecharia totalmente ao amor. Não esperaria jamais por amores perfeitos como a jovem apaixonada pelo colega de escola esperara. Mas amores possíveis construídos por pessoas reais tinham no coração dela um lugarzinho ainda. Ela reconhecia. Mudança passou a ser a sua palavra predileta. Se ela pôde transformar-se, se o ex-marido tornara-se alguém muito melhor _ela não negava o fato _quem mais não poderia? E se algum homem quisesse se aproximar com intenções de relacionar-se com ela seria exaustivamente analisado sob certo aspecto: estar aberto a mudanças. Ninguém muda ninguém. Ela sabia. Então já que não caberia a ela mudar um possível parceiro, que ele trouxesse em si mesmo a crença no benefício de estar em constante transformação. Só assim seria possível a Ester aceitar construir uma nova relação amorosa.