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_ Minha cara, não entrarei no mérito de estarem certos ou errados. Quem sou eu para saber o que é certo? Mas a pergunta é: vocês são felizes? Estão de fato satisfeitos ou sentem-se incompletos e não mudam a situação porque não conseguem?
Helena não conseguiu responder. Comportou-se como se não soubesse a resposta, mas tanto sabia que levou a questão inquietante para casa. Era fato. Não tinha como saber o que carregavam José Anísio e Rita em seus corações, mas no dela ela sabia muito bem como estava: inasatisfeita e infeliz. Mas era possível mudar essa realidade? Como e o que fazer? No grupo, com a convivência com outras mulheres que com o tempo passaram a falar de seus relacionamentos também, Helena aprendeu muita coisa. E o mais importante era que não precisava manter-se naquela situação amorosa literalmente pela metade. Chegou a dizer isso para doutora Cláudia, certa vez no refeitório do hospital.
_ Então, procure valorizar-se! _ foi o que a doutora disse sem comentários adicionais.
“Então, procure valorizar-se”. Mas valorizar-se significava o quê? Certa manhã ao acordar, depois de ter tido um sonho estranho no qual tudo aparecera angustiantemente partido ao meio, Helena ligou a TV e assistiu à parte de um programa no qual apresentadores discutiam assuntos ligados a relacionamentos amorosos. Ficou intrigada com o que ouvia pois era assunto já mais que batido, mas ela nunca havia parado para sentir de verdade o que significavam todos aqueles comentários. Poderia seguir alguns daqueles conselhos? Poderia, segundo o que soube no grupo ao discutir o programa entre as colegas mães no hospital. E passou a praticar os conselhos. Em alguns dias avançava, em outros recuava. Havia dia em que sentia-se eufórica, no seguinte sentia-se frustrada. Mas esse processo era saudável e apoiado pela doutora Cláudia. Com o tempo José Anísio já não era mais um homem tão espetacular. Não era, contudo, um homem mal. Mas de onde ela tinha tirado tantas qualidades? E as qualidades dela que até então ela não percebia?
Dando conta dessas questões, parou de endeusar o homem que tinha mais ou menos em casa. Fichas e mais fichas começaram a cair. A primeira providência foi parar de cobrar de José divisão exata com Rita. Se ele não veio na hora que deveria vir, paciência. Se não deu o presente que Mateus esperava ganhar, “fazer o quê?”. Se quisesse ficar na casa da outra mais de dias seguidos, que ficasse. Helena também parou de dar informações sobre todos os seus passos. Se ele ficasse muitos dias longe de casa, nos dias em que “deveria ser seu”, ela não ligava, não procurava, não reclamava. Nada disso era fácil, mas sentindo-se apoiada, conseguia fazer. Passou a pensar em criar meios de tocar sua vida sem ele. Não terminaria ainda a relação porque ainda não se sentia forte o bastante. Mas esse dia chegaria.
Com as mudanças de Helena, Rita poderia até se sentir feliz por poder contar com a presença de José por mais tempo. Mas, contraditoriamente, algo piorava a olhos vistos. José não se sentia confortável com o fato de uma das mulheres já não brigar por ele. Já não fazer tanta questão. E, mesmo quando estava com Rita, não conseguia não falar de suas preocupações em torno do comportamento cada vez mais seguro e independente de Helena. Estaria ele perdendo o amor dela? Com tais preocupações José passou cada vez mais a não estar tão à vontade com Rita, pois Helena tomava conta de seus pensamentos justamente agora que a cada dia estava menos aí para ele. Até que ele tomou uma atitude que incomodaria profundamente a mãe de Luan: ficaria uns dias a mais com Helena, na tentativa de “normalizar” as coisas. O problema é que ela não fazia mais questão de normalizar nada. E, com os dias, José concluiu estar apaixonado por Helena. Exclusivamente ela. Percebia claramente que estar com Rita era feito como por obrigação. Ele não se sentia mais tão bem em na companhia dela.
Quanto mais José tentava agora fazer-se homem verdadeiramente bom e não mais simular ser um, diante de Helena, menos ela o queria. Ela começava a se sentir arrependida do que havia feito com a própria vida até então. Ele não era tão especial. Ela sim tinha construído um castelo de areia no qual os dois, os três talvez, estivessem vivendo. E quanto mais sustentava o novo comportamento, mais José se interessava verdadeiramente deixando Rita, que não passara por nenhum processo de mudança, desesperada. E foi durante esta fase que os meninos passaram a estudar na escola onde trabalha a professora Marina. Ainda havia o acordo entre os pais _ o pai e as duas mães. Rita, por estar em desvantagem com relação ao tempo que José passava com Helena, mesmo que esta já não fizesse tanta questão, não via a hora de encontrar-se com a outra mulher do parceiro para, como era hábito entre elas, cobrar o que a outra lhe devia. E foi ali, naquela reunião de pais e mestres a primeira vez que se encontraram estando a segunda mulher em tamanha desvantagem. Por isso, a primeira tentou evitar confusão perguntando apenas se tinham algo para conversar. Reagindo apenas depois de a outra ter insistido e provocado muito. Outras discussões aconteceram posteriormente, mas foram perdendo força. Isto porque Helena aprendia a sair cada vez mais fortalecida, sabendo o que dizer e como se defender. Na última briga disse, finalmente:
_ Se quiser ficar com ele todo pra você, queridinha, que fique! Já cansei. Não quero mais. E se ele não te disse que eu já falei em separação o problema não é meu!
_ Separação?! _ assustou-se Rita.
_ É! Satisfeita? Gostou da notícia?
Rita não compreendia o que estava sentindo. Não pode dizer se estava satisfeita ou não. Era estranho. Fazia parte de sua vida estar em constante combate com Helena. Tinha em Helena uma mulher com quem competir o tempo todo. Não sabia explicar porque não estava feliz. E, de algum modo, entendia agora as mudanças de José dentro de casa. Sim, ele gostava muito de Helena. Ou pelo menos passara, após um tempo, a gostar. Era, para Rita, uma verdade dolorosa, mas tão óbvia que ela não conseguiria não admitir.
A separação de Helena e José de fato aconteceu. Não rapidamente. Nem com facilidade, pois ele dificultou muito as coisas, levando a mulher a ter ainda mais certeza de quão longe ele estava do homem maravilhoso que existiu apenas nas fantasias dela. Não era nenhum crápula. Mas um homem muito mais ou menos. Ou mais para menos como ela reconhecia. Era chegada a hora de destruir o castelo de areia. E ela o destruiu.
Nas reuniões de pais e mestres no colégio onde os meninos ainda estudariam por muito tempo não houve mais discussões. Rita não tinha mais estímulo para provocar a outra. Seu relacionamento com o mecânico agora era exclusivo, mas nunca mais foi tão bom quanto era quando ela o dividia com Helena. Ficou claro que uma sustentava, de certa forma, o relacionamento da outra. E foi ela quem saiu perdendo, na verdade. Agora ele era sem dúvidas apenas um homem comum, cheio de problemas como qualquer outro.
A crise no relacionamento de Rita e José Anísio durou muito tempo, mas teve fim. Com o passar dos dias ele voltaria a ser um homem maravilhoso. Suas viagens a trabalho retomariam. E seriam agora, finalmente, todos felizes para sempre. Cada um a seu modo. Helena descobriria-se uma forte mulher independente, dona de seu nariz, podendo se relacionar com quem quisesse e sabendo agora a diferença entre homem perfeito e homem real. Rita e José vivendo em paz seu relacionamento, numa boa de novo, principalmente depois que Ana Teresa entrou na história. A moça era secretária e vizinha de Luiz Paulo, o primo de José Anísio, o que o acolheu naqueles quinze dias em que precisara afastar-se de Helena e Rita para, com tranquilidade, pensar no que fazer da vida.