Muita gente se irrita vendo terror. O gênero é cheio de regras próprias e muita gente não entende que nem tudo é realista e que nem sempre os personagens agem de forma inteligente. Quando começamos a ver um filme de terror entramos num mundo de regrinhas próprias e temos que fazer o exercício de entender que neste universo certas coisas sempre acontecem. No meu último texto de clichês dos filmes de ação (que você pode ler aqui) muita gente não entendeu que esses textos são uma grande homenagem a esses gêneros e não uma reclamação, nem nada disso. Só estou constatando clichês que existem e como eles ocorrem.

Quem faz sexo ou fuma maconha vai morrer

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Esse é um clichê mais comum nos filmes de massacre com adolescentes numa cabana nos anos 80. Sei que soa específico, mas existe uma infinidade de filmes assim. Isso se deu através de uma moralização intensa que alguns ramos da cultura pop tomaram. Jason por exemplo era uma encarnação desse conceito que vem punir aqueles que pensam em sexo e drogas. Quase como uma condenação dos anos 80 em cima da cultura paz e amor dos anos 60.

Sempre acontece uma cena sinistra e assustadora, mas no final é um sonho.

Se tem uma coisa que os filmes abusam é a sequência que parece real, mas na verdade é um sonho. Basicamente nos é mostrado uma cena super interessante, mas ela não passa de um sonho, então desconsidere. Esse clichê se tornou uma muleta para outras obras que nem são do gênero terror ou suspense. Sei que falei ali no início que esse texto era uma homenagem, mas menos para esse clichê. Ele quase sempre quebra uma expectativa de um jeito bobo, não avança a história e dá sustos baratos. O filme brasileiro O Rastro usa muito esse clichê. 

Sempre sobrevive uma mulher no final

Esse é mais comum em filmes de grupo de adolescentes e funciona como complemento do primeiro clichê. Geralmente essa garota é virgem e representa a pureza que vai derrotar o mal, além de ser a âncora do espectador para torcer até a última cena. Sei que isso pode parecer só uma observação de um clichê, mas esse conceito foi estudado a fundo por Carol J. Cover, que entendeu que diversos filmes usam a figura feminina pura como antítese do mal e como exemplo moral dentro de um mundo violento, drogado e devasso. 

O monstro nunca para

Isso é fundamental para manter a tensão até o final. Como não ter medo de algo aparentemente imortal. Entretanto, isso pode ser uma armadilha. Muitos filmes, para manter essa tensão, acabam quebrando todos os limites da coerência interna do roteiro. Isso acaba se estendendo para as continuações que explicam o porquê de ser tão difícil termos longas franquias de terror que são até boas no início, mas a coisa vai ficando meio sem sentido e repetitiva demais (mas nós continuamos vendo).

A assombração sempre aparece no espelho

Provavelmente um clichê que nunca vai morrer, pois essa é uma situação que realmente gera muito medo. Você abaixa a cabeça para cuspir a pasta de dente e quando levanta a cabeça lá está uma coisa absurdamente assustadora. Provavelmente a luz vai piscar e logo depois a assombração vai desaparecer. Uma situação que mexe com o medo básico de ser pego de surpresa em momentos simples do dia a dia. 

O susto falso

Em filmes de terror de grupo sempre existe o piadista. O cara que zoa todo mundo e adora pregar peças. Geralmente um dos sustos falsos do filme é causado por ele. Um cara que coloca uma máscara, puxa o pé de alguém e coisas assim. Sem dúvida nenhuma ele vai morrer e todo mundo vai achar que é mais uma piada até que a terrível revelação de sua morte acontece.

As minorias morrem sempre

Ok, aqui vai outro clichê que vai ser criticado em vez de homenageado. Apesar de hoje em dia estar muito em voga a discussão sobre representatividade, isso sempre foi debatido mesmo que de forma menos intensa. Uma tentativa artificial de atender essa demanda foi colocar pessoas de outras etnias, mas matá-las logo no primeiro ato.

A criança assustadora

Muita gente morre de medo desse conceito, mas sem entender muito bem por que esse medo surge. De modo geral, quando você distorce algo relacionado a um elemento positivo para algo negativo isso gera um estranhamento que gera medo. Frequentemente a criança é associada à pureza, bondade e coisas boas. Quando um filme a coloca como algo ruim, nosso cérebro sofre um pequeno choque em nosso subconsciente, gerando o medo. Isso ocorre com outras coisas como músicas infantis macabras, bonecos assustadores como a Annabelle e outros elementos infantis.

As pessoas sempre vão para o local assustador que claramente não deveriam ir

Isso às vezes irrita, mas muitas outras são importantes para avançar a trama. Em outras situações é possível interpretar que os personagens são um tanto “seduzidos” pelo sobrenatural e o incompreensível. Como se a coisa que está assustando exercesse um fascínio e o personagem precisa enfrentá-la. Quando a direção não possui esse cuidado fica complicado aceitar algumas atitudes que parecem idiotas. Mas temos que lembrar que nós sabemos que estamos vendo um filme de terror e algo ruim vai acontecer, os personagens, às vezes, nem sabem do elemento sobrenatural, então logo é normal que elas não sintam medo, afinal de contas, eles não sabem que estão num filme de terror. 

O susto final

Geralmente algo que também pode ser usado para apontar o caminho para uma continuação e, frequentemente, reforçar o clichê do monstro que nunca morre. Conceitualmente é interessante poder reforçar a sensação de perigo, como se mesmo que o filme acabe o espectador ainda está em perigo e tudo pode acontecer. Geralmente esses finais deixam um tom desolador e de que não existe esperança para os personagens e, em consequência, para a gente que assiste.


Para finalizar essa lista vamos falar de filmes de terror que brincam com esses clichês e fazem um maravilhoso exercício de metalinguagem. Primeiro temos a franquia Pânico que é inteiramente baseada em falar dos clichês e estruturas de filmes de assassinos. O segundo filme é O Segredo da Cabana que também faz uma grande brincadeira com os clichês de terror como um todo, mas, como diz o título, foca no subgênero terror da cabana. Que clichês faltaram? Deixem nos comentários assim como boas dicas de filme de terror.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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