Hoje falarei sobre dois filmes recentes, contemporâneos e regulares. E suas semelhanças não param por aí, ambos recontam histórias bíblicas de uma forma não convencional, e sofrem com grandes críticas não só da sociedade cristã: Noé (2013) e Êxodo: Deuses e Reis (2014). Mas por que sofrem tantas críticas?

Filmes baseados em histórias bíblicas sempre sofreram críticas que ultrapassam os quesitos da sétima arte. Direção, produção, montagem, adaptação, etc. são quesitos que a maioria dos espectadores ignoram se a produção não seguir o roteiro do próprio livro sagrado. Sempre terá polêmica! E em Noé vimos isso.

Uma visão diferente sobre a história do dilúvio. Uma interpretação “realista” e não-usual das palavras reveladas já é o suficiente para que o filme seja execrado pelo Vaticano e ser conceituado como herege, fato este que aumenta ainda mais o merchandising da produção e também leva pré-conceitos a tais espectadores.

O personagem bíblico Noé, o tão conhecido patriarca cristão, escolhido por Deus para dar continuidade aos seres humanos. Retratado como um homem violento e teimoso, que está disposto a matar seus conterrâneos e até seu próprio neto para seguir as ordens de Deus. Mas não é falado que o bom cristão é aquele que segue as vontades de Deus? 

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Ver uma história tão conhecida por todos nós ser contada de uma forma diferente realmente é difícil para alguns olhos. O diferente é algo incomum, algo que não estamos acostumados. Faz repensar sobre um tema que para nós já é batido e embalsamado dentro de nossas mentes, trazendo consigo todo preconceito de revirar algo já guardado em nosso cômodo lugar comum. Tendemos a desmerecer tal história, rotulando-a como uma distorção.

Da mesma forma, Êxodo: Deuses e Reis também sofre com isso. Um filme que conta a saga de Moisés no Egito. A sua ascensão, as pragas aplicadas, a guerra, a fuga… são tópicos já conhecidos da história do fim dos 400 anos de escravidão do povo hebraico no deserto. Porém contada, assim como Noé, de uma forma diferente, foi duramente criticada pela sociedade cristã, não só por representarem Moisés como um general de guerra do Egito mas também por interpretarem Deus como uma criança – que geralmente transmite pureza e inocência – retratada birrenta e autoritária.

Será que a história que conhecemos é diferente? Claro que sim, mas há suas analogias…

Lembra que citei as semelhanças no início desse texto? Pois é, ainda há uma última semelhança entre estes dois filmes bíblicos em questão, porém essa similiaridade é a mais importante: A Direção. Não, não é o mesmo diretor que comanda ambos os filmes. Mas são diretores que compartilham das mesmas qualidades: Excelência, Independencia e Autoria.

Darren Aronofsky e Ridley Scott, respectivamente diretores de Noé e Êxodo: Deuses e Reis, possuem um background de filmes considerados “fora da caixinha” no mainstream. Aronofsky (de Cisne Negro e Réquiem para um Sonho) e Scott (de Alien, Blade Runner, Perdido em Marte, etc.) interpretam muito mais do que as frias palavras de seus roteiros adaptados. Eles humanizam as situações, os personagens e a história.

Quando humanizamos as histórias bíblicas e as tiramos da sonolência da leitura do fim da noite, se torna uma história menos palatável como geralmente é sugerida. Assim como Abraão estava prestes a sacrificar seu filho, Isaque, no monte por ordens de Deus, Noé estava também a ponto de sacrificar seu próprio neto, ainda bebê, pelas mesmas ordens. Assim também quando o Yaweh criança de Êxodo: Deuses e Reis, que em mais um momento de pirraça, coloca sangue nas mãos de Moisés com as pragas, fazendo-o seu general da morte, alegando não querer que seu povo continue sendo escravo dos egípcios. E quando retrucado por Moisés: “Aonde você estava durante esses 400 anos de escravidão? Por que não agiu antes?” realmente nos deixa pensativos por tais conivências.

São realmente críticas e reflexões deixadas na produção para o espectador. Assim é ensinado: Ofereça-lhe a outra face, seja submisso… Seja obediente! Comprar um tijolo à preço de um cômodo inteiro é ser obediente? Derrubar um avião em cima de um prédio também seria obediência a alguma crença religiosa? Entendo que as críticas e mensagens destes filmes estão além deste ensinamento bíblico ou religioso, fazem com que o espectador reflita em uma mensagem ainda maior: Discernimento.

A obediência fez jovens alemães matarem sob ordens nazistas, a um piloto de drone disparar um míssil em cima de civis árabes. A obediência ainda faz vítimas de abusos e violências a continuarem caladas e submissas. A obediência pelo medo, o medo de se machucar, o medo de perder, o medo de não chegar aos céus. Filmes como Noé e Êxodo tentam causar um mal estar e uma reflexão com esse sentido de obediência, pois sem senso crítico e discernimento podemos estar seguindo e sendo obedientes a pior das ideias.

Longe de mim dizer que a versão destes filmes é a história verdadeira, ou quiçá que tais filmes são adaptações literais das passagens bíblicas. São apenas interpretações holywoodianas sobre esses “contos”. Porém uma interpretação um pouco mais humanizada, problematizada e dolorida tendo o seu valor como obra de arte passando a sua mensagem. Principalmente para quem costuma ler e enxergar com um olhar mais crítico.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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