Para começar esse texto eu terei que fazer o impossível: definir o que seria hipster. Por definição o hipster não pode ser definido, pois ele estaria sendo colocado em alguma categoria e por isso ele deixaria de ser hipster em essência. É uma subcultura que não admite ou se orgulha de existir. Entretanto é fácil apontar um hipster quando vemos um.

A ironia talvez seja um termo fundamental para entender esse conceito. Hipster é um individuo com senso de realidade muito apurado e justamente por isso ele tenta fazer uma piada constante com seu próprio estilo de vida e seus gostos. Isso pode ser de uma roupa extravagante até uma atitude totalmente incomum. Aliado a isso, tem uma necessidade constante de estar associado a tudo que é incomum, seja para dar um sentido maior a sua própria existência ou perpetuar a piada constante. Mas quando eu estou usando o termo, piada, eu quero me aproximar mais do sentido irônico e até mesmo levemente nonsense. Caso você aponte a piada e tente categorizar o hipster ele dirá que você não entendeu nada e negará que é um até a morte. É como um segredo: se você contá-lo ele deixa de existir.

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O estilo de vida/filosofia hipster permeia todos os cantos. O humor, o cinema, a moda (PRINCIPALMENTE) e tudo que pode ser consumido de forma irônica e que crie essa áurea “diferente” e “exclusiva”. Às vezes isso é levado de forma menos séria e outras como algo realmente importante para manter uma identidade no meio do caos da pós-modernidade. Se olharmos friamente é muito mais complexo definir o hipster como um estereótipo já que ele está sempre modificando conforme o que é definido como “comum” e “na moda”, ou seja, ele é definido por tudo isso (que irônico não?). Tentando sintetizar tudo isso eu tentei revisitar alguns personagens que apresentam essas características.

Alvy Singer e Annie Hall (do filme Annie Hall)

Annie Hall é um dos melhores filmes do Woody Allen e que tirou o Oscar de Star Wars. Talvez a melhor comédia romântica de todos os tempos. Os seus dois protagonistas são, em certa medida, hipster, assim como toda a persona que Woody Allen criou em seus filmes, mesmo antes do conceito ter surgido. Pessoas que gostavam de se desprender do “modo padrão” sempre existiram e agora retroativamente podemos classificá-los como hipster, mesmo que isso seja um anacronismo. Eles eram intelectuais que julgavam os outros intelectuais, se vestiam de forma extravagante, tinham crises existências complexas e citavam Kafka depois do sexo.

Andie Walsh e Duckie (do filme Garota de Rosa-Shocking)

Uma belíssima e interessante obra que foi roteirizada por John Hughes. Aqui acho que tenho uma das maiores essências de dois hipsters no cinema, mas ele é de 1986, muito antes do conceito existir. Também estou sendo anacrônico ao classificá-los como hipsters, mas são impressionantes como eles se enquadram. Ambos propositalmente usam roupas totalmente cômicas e, ao mesmo tempo, estilosas de um jeito único. Isso os coloca propositalmente  afastados de todos os alunos comuns que eles tanto desprezam. O filme trabalha com as diferenças sociais dentro de um colégio americano e como tudo isso divide os jovens, mesmo que eles tenham muito em comum. Esse estilo hipster que vários alunos apresentam, surge como um protesto silencioso ao estilo de vida classe média americana, de forma mais ou menos intencional. Duckie é o que leva o humor irônico ao nível máximo e isso o define como personagem. Seu senso de realidade é tão grande que para combatê-lo ele precisa usar um senso de humor sarcástico e irônico 24 horas por dia.

Ramona (Scott Pilgrim Contra o Mundo)

Já falei desta Hq aqui, mas ela também é um filme muito bacana do excelente Edgar Wright. Ramona é a menina dos sonhos do protagonista, justamente porque é misteriosa, descolada, fora do comum e hipster. Todo o universo desta história permeia bastante esse tema e faz piada com isso. Quanto mais descolado e “diferentão” o personagem é, mais poderoso ele é, tornando mais difícil que Scott (o cara comum) conquistar sua amada. A obra é bem consciente da grande piada que é esse universo.

Rob Gordon (do filme Alta Fidelidade)

Aqui temos um personagem que também flerta com algo meio “emo” que estava começando em 2000, quando o filme foi lançado. Nosso adorado protagonista Rob possui uma loja de discos onde ele julga os clientes que chegam para comprar coisas mundanas e supervaloriza bandas desconhecidas, glorificando os grandes clássicos que já ninguém lembra. O tema principal é a música, que é um dos elementos que mais recebe atenção dos Hipsters, pois é um meio de mostrar o quão diferentes são ao adorar e ouvir uma banda que mais ninguém conhece. Um dos sonhos de Rob é ter uma gravadora que só trabalharia com músicas fora do padrão e do popular. Um templo musical Hipster.

Beca (do filme Pitch Perfect)

Mais um filme sobre música, mas desta vez as canções em si nem toma contornos tão incomuns, na verdade, a maioria das musicas que escutamos no filme é bem popular. Beca acaba de chegar à faculdade, que nunca quis entrar para início de conversa. Ela deseja ser DJ e fazer suas próprias músicas e acredita que o ensino superior não a ajudará em nada com isso, mas, de alguma forma, ela acaba se associando ao grupo de acappella. Além da personagem ter toda a vibe hipster, ela se associa com os mais deslocados da faculdade. O filme como um todo propositalmente leva o mundo da acappella super a sério, pois essa é a piada irônica, já que todos sabem que ninguém mais faz isso.

Dr Who

Um seriado super nerd, mas ao mesmo tempo com uma boa dose de estilo hipster. A princípio esse é um seriado de ficção cientifica, mas ele encara tudo deste gênero de forma super irônica, e, por consequência, cômica. Até mesmo o seu visual (da fase do David Tennant para frente) é bem hipster, com direito a gravata borboleta, terninho e All-Star, tudo ao mesmo tempo. O universo de Dr Who varia do complexo e sério e, por vezes, cai na ironia completa, como nos melhores episódios da série. Simplesmente maravilhoso.

Luna Lovegood (do universo Harry Potter)

Nos livros ela é descrita como excêntrica, principalmente no seu estilo de se vestir (com brincos de rabanete), mas também com um estilo difícil de definir e de prever. Sua mania de não piscar tanto como a maioria das pessoas deixa a maioria com certo desconforto. Todo o seu estilo é bem incomum e acredito que podemos colocá-la como uma hipster, por mais que isso pareça ser meio inerente a ela. Podemos confabular que esse seu estilo é uma forma de escapismo do mundo que ela tem dificuldade de lidar, principalmente conforme as coisas vão ficando mais sombrias.


Desde que o mundo nerd foi ficando cada vez mais na moda o termo “modinha” e “hipster” foram aparecendo em nosso meio. Antes dessa popularidade ninguém ligava para esse mundinho, mas nós também não tínhamos muito orgulho dele. Éramos um grupinho que passava despercebido e o mundo seguia. Quando essa popularidade chegou muitos se incomodaram, pois agora o que os tornava especial era mais uma coisa mundana. Assim se iniciou a corrida para escavar e buscar tudo que fosse obscuro do universo nerd e negar o que era considerado modinha, e assim nasceram os “hipsters nerds”. Acredito que não exista nenhum problema nisso, pois, de certa forma, é bom ter alguém que vai ao incomum e acaba ironicamente (olha o termo aqui de novo) tornando-o popular. Mas às vezes eles podem acabar caindo numa esfera pedante, o que pode ser bem irritante. Então, é um universo que tem que ser apreciado com cuidado. Espero que tenham gostado do texto e pretendo fazer um só com diretores amados pelos hipsters. Dica final: vá atras da HQ All- New, All- Different, All- Hipster Marvel do brasileiro Caio Oliveira onde ele faz piada com todo o universo Marvel numa estética super hipster. 

 

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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