A saga de livros de J.K Rowling há vinte anos veio ao mundo e se tornou um sucesso instantâneo no mundo infanto-juvenil. Os filmes têm muito credito pela extrema popularização do personagem e do universo que o cerca, mas, mesmos se eles não tivessem existido, os livros do bruxo já seriam ícones. Nos anos noventa o gênero de livros infanto-juvenis estava esquecido e era somente exemplares do museu. Foi Harry Potter e Desventuras em Série que arrancaram esse estilo de livro do túmulo que estava, mas em relação a essa segunda saga de livros irei falar depois. Mas de qualquer forma, por que o mundo ama Harry Potter?

Como todos os grandes clássicos da literatura nosso protagonista é órfão e possui uma grande profecia sobre ele. Em seu “mundo normal” ele é mal tratado e humilhado por seus parentes próximos que não enxergam nada de especial nele, mas um belo dia, em seu aniversario, ele tem a revelação de que é alguém muito mais especial do que poderia imaginar. Essa é uma das fantasias de poder mais clássicas de todos os tempos. Em seu mundo regular você pode se sentir menosprezado, esquecido e, por vezes, até mesmo mal tratado, mas num lugar onírico, mágico e fabuloso você pode se tornar muito mais que isso. Harry pode não passar pela jornada do herói do jeito mais clássico de todos, mas os elementos estão lá. Na verdade ele em muito se assemelha ao Luke de Star Wars como o rapaz que vive com os tios e conhece um sábio idoso que lhe conta sobre o passado de seus pais e um grande vilão que é responsável pela morte de seus progenitores.

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Fora essa estrutura clássica, que por algum motivo nos afeta de forma subconsciente, temos todo um universo extremamente recheado de elementos diversos. O mundo bruxo vai se abrindo com o passar dos livros, e o que parecia ser um leve livro de fantasia acaba gradativamente se tornando mais concreto do que o mundo real. Um leitor atento da saga de J.K lembra até hoje das regras para se pegar um livro na biblioteca de Hogwarts, como o Ministério Bruxo funciona e, até mesmo, as instruções para o transporte em lareiras. Assim como Tolkien, ela é capaz de criar um mundo orgânico e vivo e mesmo quando o livro se fecha temos a sensação de que ele está lá em algum lugar, talvez atrás de uma pilastra em alguma estação em algum lugar.

A fantasia em si é muito interessante tendo em vista de que esse é um livro infanto-juvenil por excelência, mas todos os elementos fantásticos são um tanto adultos. A Câmera Secreta, por exemplo, com algumas alterações, poderia ser um terrível livro de horror onde um grupo de jovens precisa fugir de um mostro terrível que vive entre as paredes de um colégio gótico isolado de tudo. Nos arredores de Hogwarts temos uma floresta macabra com monstros terríveis. Até mesmo o final da Pedra Filosofal, o mais infantil de todos os livros, é um tanto bizarro quando pensamos friamente nele. Um dos professores se revela ser uma criatura híbrida com o maligno ser que matou os pais do protagonista. Talvez o final mais macabro de todos seja o Cálice de Fogo, tendo em vista que toda a sua trama é bem “trama de colégio” cheio de namoricos e disputas entre alunos e no fim temos o ressurgimento macabro do vilão com direito a rituais e sacrifícios e o fim que prenuncia desgraças terríveis. Cada vez mais ele se torna uma dark fantasy e, em teoria, um livro adolescente poderia ser tudo, menos isso.

Ainda poderíamos falar de como os livros vão evoluindo em todos os níveis conforme a leitura avança, mas isso é um tanto lugar comum e hoje pode parecer um tanto obvio. Entretanto, o que não é obvio é pensar em quem fazia isso antes de J.K. e quando paramos para pensar sobre isso percebemos que de fato isso não era comum. Nenhum projeto, seja ele literário ou em qualquer outra mídia, evoluiu conforme seu público cresce. O único paralelo que consigo fazer é com os leitores de Homem Aranha que cresceram com o personagem que saiu de um estudante do colégio, para um universitário e até um homem casado, mas isso foi muito mais espaçado, e, honestamente, nenhum pouco planejado. Isso sem contar que diversos leitores nunca chegaram a ler o herói teioso desde sua origem, enquanto Harry necessariamente precisa ser lido desde o início.

No fim das contas: Por que Harry Potter é tão fascinante? Para o público que ele foi pensando é um pouco difícil ele não ser. Ele tem tudo que faz um jovem ficar fascinado pela fantasia. Ele tem camadas, ele tem profundidade e principalmente: ele é bem pensado. J.K pensa cada linha do que coloca no papel. Cada feitiço possui um significado, seja ele em regra no universo que ela mesma criou ou até mesmo num nível mais metafísico e simbólico. Ela cria todo um enorme arcabouço de personagens secundários e finaliza a maior parte deles de maneira sensacional. Acima de ser uma obra infanto-juvenil sobre fantasia com enorme sucesso de vendas, ele é um mundo rico e vivo e está a uma distância de uma página para a outra.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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