A linha Vertigo sempre foi responsável por trazer alguns títulos realmente inventivos para o mundo dos quadrinhos. Hoje ela não é a única a fazer isso, principalmente depois que a Image tomou a frente em publicar obras realmente autorais de grandes nomes dos quadrinhos atuais. Porém, mesmo não sendo a linha de frente no que existe de mais original no mundo dos quadrinhos, a Vertigo ainda é capaz de surpreender. Um exemplo disso é o recente lançamento da Panini em terras brasileiras: Art Ops. Um dos conceitos mais malucos que já vi em HQ’s e olha que essa mídia é recheada de absurdos criativos.

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Art Ops é uma agência especializada em proteger as maiores criações artística do mundo de pessoas que podem vir a querer fazer algum mal a elas. A verdade é que a arte é viva, da forma mais literal que possa imaginar. A função deste grupo secreto, além de proteger, é impedir que a sociedade descubra que grandes pinturas de personagens são reais e caminham por fora das molduras. Entretanto, um belo dia toda a equipe some, e alguns poucos renegados recebem a função de proteger uma das peças mais raras do mundo: Mona Lisa.

É bastante difícil não ficar completamente instigado por tal sinopse. O conceito de um universo centrado na arte e nas pinturas mais clássicas do mundo tem algo de naturalmente interessante. Nos roteiros temos Shaun Simon (que já trabalhou com o vocalista do My Chemical Romance na HQ My the Fabulos Kiiljoys) e os desenhos do aclamado Mike Allred que possui em seu currículo a série de quadrinhos Madman, X-Statix, uma fase do Quarteto Fantástico, uma fase premiada do Surfista Prateado e I Zombie. Assim como outros trabalhos de Allred, Art Ops também foi indicado ao prêmio Eisner. Importante lembrar que também temos as cores e artes pontuais de Matt Brundage e Laura Allred (esposa de Mike).

Ao longo deste primeiro volume nós temos o básico de toda a narrativa que precisa apresentar um novo universo e seus personagens. Logo nas primeiras páginas entendemos como se dá o conceito de arte viva e os agentes que a protegem. Nosso protagonista é Reggie Revolt, o típico punk revoltado que renega qualquer tipo de autoridade e vive um dia de cada vez. Sua mãe é líder da Art Ops, e os dois possuem um péssimo relacionamento, mas um dia ela o salva da morte após Revolt ter seu braço arrancado por uma pichação maligna. Agora o rapaz possui um braço feito de arte viva que lhe confere algumas habilidades, mas que também se prova uma maldição, pois se ele perder o controle do tal braço a arte viva pode consumi-lo por completo. Quando sua mãe e o resto da organização somem ele é convocado por um super herói, arrancado de uma história em quadrinho, para proteger Mona Lisa.

O mais divertido desta série é justamente tentar entender todas as referências artísticas que permeiam a narrativa. Há edição que é possível identificar algumas obras icônicas com facilidade, em outras nem tanto. Para quem conhece pouco deste universo pode ser um ótimo estimulo para aprender nomes de artistas plásticos consagrados e pinturas históricas, conhecimentos que acabam não sendo muito valorizados no dia a dia. Acredito que este quadrinho realmente pode despertar o interesse pela arte tida como erudita, além de fazer ótimas brincadeiras com o clássico através das subversões. Mona Lisa, por exemplo, é uma das personagens principais deste volume e observamos como ela vive no mundo atual, envolvendo-se com rapazes, bandas de rock e o movimento punk.

Por outro lado, no mesmo ponto em que aborda este mundo, a história não se aprofunda muito em conceitos e vertentes artísticas. Os vilões deste volume possuem interesses banais e um tanto simplistas. A discussão sobre arte viva, “clássico X moderno” e o significado da arte são extremamente rasos apesar de gerarem ótimas piadas. A HQ tenta muito mais ser uma comédia divertida do que algo verdadeiramente complexo, mas mesmo assim perde muitas oportunidades de explorar os conceitos que ela mesma apresenta. O protagonista ao mesmo tempo em que é interessante, acaba participando de forma contraditória na história. Conceitualmente é genial, mas sua execução nem tanto. Imagine alguém que é a síntese do movimento contra cultura tendo que trabalhar para uma organização que tem como função preservar a arte clássica? O problema é que seu período de recusa da missão (clássico em toda a jornada do herói) se estende demais e acaba sendo infundado, pois nós, como leitores, sabemos que ele logo aceitará a missão, até porque se não for assim não existirá história. Os outros personagens acabam sendo mais interessantes que ele, como O Corpo, o super herói que saiu do mundo dos quadrinhos e passou a trabalhar para a Art Pop.

Os desenhos de Mike Allred estão incríveis. Ao mesmo tempo em que temos o seu traço característico é possível vê-lo desenhando grandes obras de arte em seu estilo, o que dá um toque único para esta HQ. Em determinados pontos a história vai para um surrealismo completo e fica extremamente confusa, mas ele desenha tudo isso de forma eficiente e permite que sua mente entenda as ideias loucas que são mostradas. É visível o quão arduo é o trabalho de dar vida ao roteiro Shaun Simon, que usa diversos elementos de forma simultânea e completamente anárquica.

Falando mais um pouco do roteiro de Simon, é preciso dizer que por vezes ele é muito abrupto e falha em momentos onde é preciso construir tensão e clímax. Como o quadrinho compila as seis primeiras edições talvez não fique tão perceptível, mas cada edição termina de forma muito seca, sem uma pontuação de gancho para a próxima edição ou qualquer coisa do gênero.  Entretanto, como é possível ler tudo de uma vez talvez esse problema se dilua devido ao formato em que foi publicada. Como o quadrinho tem uma vertente forte de comédia é difícil realmente temer pelos personagens ou até mesmo se importar com os perigos que eles passam. A graça está mais em ver conceitos malucos sendo trabalhados do que como os personagens lidarão com estes conceitos.  Não é o tipo de história que fará torcer com todas as suas forças pelo time que observamos, mas o universo em si é mais atraente do que eles.

O primeiro volume é muito bem sucedido em apresentar tudo que a série Art Ops se propõe e prova ser de uma criatividade sem igual. A série tem um potencial incrível em explorar conceitos artísticos e termina com um gancho que pode redimir os pontos negativos que toquei no parágrafo acima. Para quem está buscando algo diferente no mundo os quadrinhos esse pode ser uma ótima pedida de novas aventuras para se acompanhar nas bancas.


ART OPS Agentes da Arte- Vol.1

Nota

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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