Acho seguro dizer que a primeira temporada de Stranger Things foi um fenômeno cultural. De um lado os aficionados em cinema se deliciavam com o exercício de emulação de uma era de produção cinematográfica, roteiros e temas dos anos oitenta, enquanto do outro lado um público diferente se fascinava com todos esses elementos como se fosse tudo novo, e de fato era para eles. Agora a segunda temporada chegou com o desafio de continuar a história que muitos alegavam não precisava de uma continuação; possivelmente não daria certo pois faltava originalidade e que seu conceito já não seria mais uma novidade em uma nova temporada. Mas com muita competência a série resolve todos esses problemas e continua a história sem perder a ideia de ser uma série de tese, assim como Indiana Jones foi para a aventura pulp e Star Wars para a space opera.

Após os eventos da primeira temporada o grupo de amigos continua vivendo suas vidas em relativa normalidade, mas Will (Noah Schnapp) continua tendo visões com o “Mundo Invertido”. Gradativamente essas visões vão se tornando mais intensas, paralelamente, o xerife Jim Hopper (David Harbour) começa a notar um possível sintoma nas abóboras da plantação que podem indicar que os problemas podem envolver as pesquisas científicas realizadas na pequena cidade.  

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Uma das coisas que mais chamou a atenção como um todo na série foi a ótima atuação de todo os atores mirins, por exceção de Noah Schnapp que, devido ao seu personagem na primeira temporada, não teve muita chance de se provar em termos de atuação. Nesta segunda temporada ele dá um show e mostra que está no mesmo nível que todos os outros elementos do grupo, assim como Sadie Sink (Max) que foi uma ótima adição ao grupo além de ser um artifício de roteiro genial.

Falando no roteiro é preciso dar uma salva de palmas aos envolvidos que deram continuidade a essa história de forma bem amarrada, desenvolvendo diversos núcleos e fornecendo respostas relevantes para as perguntas deixadas em aberto. A história havia formado diversos desafios narrativos que foram contornados com competência com desenvolvimento de personagens que eram meros secundários, como Lucas (Caleb McLaughlin) e Dustin (Gaten Matarazzo), e o acréscimo de novos que alteraram a dinâmica e dão mais camadas à história.

Obviamente que nem tudo são flores. O núcleo de Nancy (Natalia Dyer) e Jonathan (Charlie Heaton) não possui muito peso para a trama geral, além de desenvolver um relacionamento de personagem que já havia sido construído previamente na primeira temporada. O fato do grupo de crianças (foco da série) estar separado também faz falta, apesar de ter um propósito para não existir nos mesmos moldes em que os conhecemos. O personagem de Mike ganha contornos de secundário diante dos eventos; em nenhum momento a narrativa se foca nele em específico, uma mudança súbita para quem antes era o protagonista. Outro problema são personagens que tomam atitudes não condizentes com as experiencias que já haviam passado previamente. Apesar de Dustin ser um ótimo personagem, ele toma diversas decisões contraditórias com o que ele mesmo havia feito na temporada passada. É algo que enfraquece o seu núcleo de história, mas não o estraga por completo. A trilha sonora que era tão bem pensada na primeira temporada perdeu o folego aqui, pois, apesar de termos mais músicas, elas não são tão bem empregadas para compor cada cena de forma individual. 

As respostas dadas para alguns mistérios foram ótimas e sem tentativas de excessiva grandeza para gerar reviravoltas. Tudo que é realmente necessário saber sobre este universo foi revelado e coisas como “de onde veio o Mundo Invertido?” felizmente não foram respondidas para não quebrar a aura de mistério que esta história necessita ter sempre. Os perigos e monstros ganham uma nova dimensão, mas sem perde a mão em tentar criar um perigo grande demais para aqueles personagens. Tudo termina de forma tão bem amarrada que é quase desejável que não se tenha uma terceira temporada para não estragar esse perfeito equilíbro que encontramos no final do nono episódio.

Os efeitos especiais são problemáticos em alguns momentos, como toda a série de TV, mas não chegam a ser um problema mortal. Na verdade se pararmos para pensar em quanto esta temporada necessitou de efeitos é até impressionante o trabalho feito em determinadas cenas, mas ainda assim algumas coisas ficaram terrivelmente artificiais na tela. No trabalho de homenagem e emulação a série se tornou mais afiada. Alguns elementos oitentistas de cultura pop são trazidos para dentro da narrativa e ajudam a compor cenários, ideias e cenas. Ao longo dos episódios a série parte para novos conceitos e, ao mesmo tempo em que fica original, mantém-se presa à emulação de coisas já existentes, mas desta vez criando algo mais próprio.

Stranger Things se mantém em termos de qualidade, seja ela de atuação, narrativa e o que ela tem para contar. Essa mistura do novo que tem cara de velho continua deliciosa e cada vez mais vai ganhando uma cara única para este programa. Mesmo com os anos oitenta em alta e ganhando cada vez mais homenagens, esta série faz tudo isso de forma especial, além de contar com algo fundamental: ela possui alma. Personagens que já amamos em situações que desejamos ver, tudo bem pensado com amor dos irmãos Duffer por esse mundinho que criaram.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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