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O cinema americano foi bastante prolífico em retratar a guerra do Vietnã mesmo quando ela ainda estava acontecendo. Parte da função dos filmes foi “vencer” essa guerra através dos longas cinematográficos no imaginário popular como forma de processar a maior derrota militar dos EUA. Em vários sentidos o Vietnã foi um dos grandes traumas desse país, tanto em termos militares quanto na visão civil das ações americanas no Oriente. Destacamento Blood não é o primeiro filme a revisitar o evento histórico, mas se foca especificamente na história dos soldados negros que foram enviados para combate.

Quatro soldados retornam para o Vietnã depois de velhos para buscar o corpo de um dos seus comandantes e desenterrar um carregamento de ouro que esconderam durante a guerra. Eles irão reviver seu passado, traumas e confrontar a si mesmos nessa jornada de volta a selva.

O filme é dirigido por Spike Lee (que também trabalhou no roteiro) e justamente por isso que dei atenção para esse longa. Toda a ideia é questionar o uso de soldados negros como buchas de canhão e uma espécie de sacrifício enquanto esse mesmo segmento da população não possuiu direitos iguais em seu próprio país, mesmo lutando por ele no exterior. Essa é a principal temática da obra.

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O que me incomoda na narrativa de Spike Lee nesse filme é interromper o filme com imagens documentais enquanto os personagens estão conversando. Além disso, os diálogos às vezes passam a ser apenas discursos totalmente fora do contexto de uma conversa normal. Entendo que o objetivo é passar uma mensagem, mas ela poderia ter sido feita de forma mais orgânica. Às vezes parece que o diretor queria na verdade fazer um documentário sobre o tema.

Por outro lado ele usa diversas técnicas e estéticas de filmes dos anos 70 para fazer cenas que se passam nesse período. Em dados momentos é fácil acreditar que estamos vendo uma cena perdida de algum filme do Rambo. Um dos pontos fortes são os personagens principais e suas interações e atuações. Delroy Lindo é o que mais se destaca de longe e rouba completamente a cena. O que ajuda é o fato dele ser o personagem mais complexo de toda a trama. Clarke Peters é o que mais me parece próximo de um protagonista e carrega muito bem o centro racional da narrativa. Chadwick Boseman provavelmente é o nome mais famoso desse projeto, mas sua participação é esporádica, mas marcante.

Entretanto, existe um personagem secundário que é escrito de forma horrível. Seu nome é Seppo e é vivido por Jasper Pääkkönen. Sua função na história é basicamente ser o mais desagradável e fazer ataques totalmente aleatórios a um dos personagens. O mais bizarro é o fato de que ele quase não aparece, mas parece haver um esforço para que ele seja o mais exageradamente babaca possível. Isso se destaca negativamente porque de modo geral o tom do filme é realista e essa figura está completamente deslocada de todo o resto.

Outro problema do roteiro é o fato de que alguns conflitos são criados de forma completamente artificiais e pouco críveis. O roteiro foi assinado por quatro nomes (um deles sendo o próprio Spike Lee). Os outros são Kevin Willmott (Infiltrado na Klan e Chi-Raq) e a dupla Danny Bilson e Paul De Meo que trabalharam juntos na série dos anos 90 do Flash e no filme Rocketeer. Lembrando que a participação de Paul De Meo foi póstuma.

A tensão que se instala do segundo ato em diante é muito boa. Apesar do principal objetivo desse filme é refletir sobre o papel do negro na guerra do Vietnã, também existe uma espécie de tensão de filmes de Tarantino como Cães de Aluguel e 8 Odiados. Se o filme focasse mais nisso poderia ser um grande filme de ação.

Em minha visão esse é um filme contraditório, mas eu não sei dizer se isso é proposital ou não. Claramente o personagem vivido por Delroy Lindo é construído para ser complexo e cheio de contradições internas, às vezes quase como o “vilão” da trama. Mas, de modo geral, a mensagem fica meio confusa. Ao mesmo tempo em que critica a forma como os negros americanos foram sacrificados nas guerras dos EUA, parece que o diretor não percebe como não existe nenhuma honra no conflito do Vietnã. Os personagens sempre falam de numa falta de reconhecimento pelos seus feitos na guerra, mas parecem não perceber que esses feitos foram chacinar pessoas num conflito sem sentido.

Estranhamente os personagens fazem constantes comentários sobre os asiáticos que encontram. Acredito que nesses momentos Spike Lee deseja mostrar que negros também podem ser racistas com outras etnias ao redor do mundo. Eles usam termos como: “amarelo de merda” e palavras altamente pejorativas para descrever os nativos do Vietnã. Porém o filme não parece entender que esses americanos estão voltando para um país que foi destroçado pelos EUA e acreditam que devem ser respeitados e reparados pelos vietcongues que eles mesmos massacraram?

São essas coisas que me fazem pensar que todas essas contradições são propositais. Se já não conhecemos trabalhos anteriores de Spike Lee ficaria mais difícil de interpretar essas mensagens cruzadas. De qualquer forma é um filme interessante e vale seu tempo. Vai te fazer pensar e ensinar algumas coisas sobre o conflito. Entretanto é um filme que deve ser olhado de forma crítica, principalmente os protagonistas. Eles não são perfeitos ou vítimas a serem glorificadas e é justamente isso que torna a história interessante.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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