Muitas séries baseadas no mundo dos heróis pipocam na TV hoje em dia. Arrow, FlashSupergirl, Demolidor, entre outras, são séries que já estão mais do que estabelecidas no cenário pop, com boas tramas e uma base sólida de espectadores. Não podemos esquecer que muito disto se deve à porta que Smallville deixou aberta lá no início dos anos 2000, inclusive estas produções atuais, principalmente as da CW e Agents of Shield, assemelham-se em um âmbito geral com a antiga série do Super-Boy. Com um tom adolescente, temporadas longas, e muitos episódios casuais.

Se pegarmos o universo das séries Marvel na Netflix, há uma mudança de cenário. Um tom mais adulto, dramático, envolvendo temas e cenas mais “profundas” para os espectadores. Mostrou-se um sucesso, vide a grande repercussão que as séries dos heróis urbanos da Marvel provocou. Com isto, podemos observar que há realmente uma boa variedade de conteúdo sendo produzido neste campo. O que enriquece ainda mais o universo dos super-heróis na grande mídia. E é nesse exato ponto onde eu queria chegar: o enriquecimento do mundo dos super-herois dentro da mídia. Pois, Legion, a nova e primeira série do universo dos X-Men produzida pela Fox, consegue enriquecer ainda mais este cenário com sua temática e narrativa fora do comum.

A série é focada na história de David Haller (Dan Stevens), conhecido nos quadrinhos sob a alcunha de Legião, um dos mutantes mais poderosos já criados. Filho do icônico líder dos X-Men, Charles Xavier – isto não fica tão evidente até certo ponto da série – David é um personagem extremamente complexo. Nos quadrinhos ele sofre de Transtorno Dissociativo de Personalidade. Mais precisamente, ele sofre com o vigente caso de múltiplas personalidades que está virando um tema bastante frequente nas produções atuais. Cada personalidade desenvolve aparências e poderes próprios, desde uma menina com poderes pirocinéticos, até um dinossauro com um relógio de bolso no lugar da cabeça. Loucura total, um dos personagens mais poderosos e instáveis do panteão mutante. Na série criada por Noah Hawley sob a tutela de Bryan Singer na produção, a loucura de David é apresentada como esquizofrenia. Ouvindo vozes dentro de sua cabeça, sem a real ciência de seus poderes telepáticos e telecinéticos, David é internado e tratado como mais um dos pacientes na clínica psiquiátrica Clockworks. Porém, após conhecer Syd (Rachel Keller), a nova paciente que tem fobia ao toque, David passa a ver o mundo e seus problemas de forma diferente, engatilhando assim os acontecimentos seguintes. 

Um dos pontos geniais da série é a complexidade de sua narrativa. Não exatamente apenas por ser complexo, mas sim por exigir do espectador uma brecha para consumir algo diferente. Assistimos os acontecimentos na perspectiva de David, no seu próprio conturbado entendimento da realidade. Não sabemos o que é real ou o que é uma simples ilusão. Esta narrativa ao mesmo tempo que pode confundir a percepção do espectador, instiga-o a observar os fatos apresentados e interpretá-los de forma a desvendar os mistérios e os contextos das cenas. O que pode assustar alguns espectadores mais passivos, mas é uma dinâmica diferente e que, reafirmando, enriquece ainda mais o nosso universo das séries de super-heróis.

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O elenco de Legion é bastante competente e emergente. No geral, poucos são realmente exigidos, mas os que são, entregam muito bem seus trabalhos. Dan Stevens realmente agradou no papel de David, mas os louros vão para Aubrey Plaza que, apesar de ser uma coadjuvante, rouba a cena em diversos momentos com muito carisma. Aubrey é um excelente talento que inspira altas expectativas futuras. Isso é escancarado na bela sequência de dança, ao som de “Feeling Good” de Nina Simone, no sexto episódio da série. Falando sobre sequência e música, mais dois pontos ressaltam nesses sobre esses elementos e que se faz necessário ressaltar: o primeiro, a bela trilha sonora utilizada. Pink Floyd , The Who, Talking Heads, Robert PlantT.Rex e, a já mencionada, Nina Simone sonorizam e ambientam espetacularmente o clima de psicodelia imposta na série. E o psicodelismo nos leva para o segundo ponto: a edição da série. Sequências lindas, coloridas e muito bem planejadas. Pensadas para criar um tom de dúvida ao espectador que, a cada momento, é exposto a cenas confusas ou inusitadas que logo se tornarão alvo de suas interpretações milimétricas para significá-las.

Legion se passa numa linha cronológica atemporal dentro do universo dos X-Men. O próprio universo dos mutantes é absurdamente confuso, seguindo linhas cronológicas diferentes que poderiam se tornar armadilhas para a série. Apesar dos cenários, trilhas sonoras e a própria tecnologia apresentada remontar a década de 60 e 70, fica essa incerteza cronológica no ar. Isto ajuda a construir a ideia de uma resistência mutante comandada pela Dra. Melanie Bird (Jean Smart) contra os inimigos da Divisão 3. Estruturas similares às já conhecidas dentro dos X-Men, porém em uma forma mais simples e comedida. Ficamos na expectativa se algum paralelo surgirá durante a série, o que acontece em um acesso à memória de David, quando vemos a icônica cadeira de rodas com os aros em “X” do Professor Xavier.

Com limitações orçamentarias, até por ser algo experimental ainda, Legion quando se propõe a lançar mão de efeitos especiais o faz de forma competente. Principalmente nos acessos de David, que vai despedaçando cada elemento no cenário ao estilo do filme “A Origem“, ou então quando sua telecinesia agrupa dezenas de soldados junto ao solo ou no ar. Porém a maior parte dos dons dos personagens apresentados são práticos neste quesito. Enquanto uns mudam de corpo, outros têm dupla personalidade ou investigam memórias. Dons perfeitos para poupar gastos e construir a proposta de alternância de percepção no público.

Apesar de solicitar a cada espectador a compra de sua proposta, o que pode ser difícil aos mais presos dentro das arestas da obviedade, Legion empolga em sua primeira temporada. Trazendo um frescor diferente ao universo dos super-heróis nos seriados. Com alternâncias de percepções dentro de uma narrativa minuciosamente montada para estimular um maior envolvimento intuitivo do público. Já estou na expectativa para voltar a me divertir e me entreter na próxima temporada. Um ótimo início de trabalho.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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