Após muito murmúrio sobre séries que estão adaptando filmes antigos e históricos, como Máquina Mortífera, Um Drink no Inferno, Ash vs Evil Dead, enfim, tomei coragem de assistir uma produção dessa estirpe, da qual mantinha uma certa desconfiança. O Exorcista, série produzida pela Fox que conta uma nova história dentro do universo do icônico filme de terror sobre possessão demoníaca produzido e coroado em 1974. Será que vale à pena remexer, remontar, desconstruir ou desembalsamar algo que ficou marcado na história? Filmes de sucesso sendo continuados ou recontados através de uma fórmula seriada, que, como bem sabemos, estão sujeitas à chuvas e trovoadas dessas produtoras que primam apenas os números e cifras do que a qualidade em si. E, nesse caso, a resposta é sim, vale à pena. 

A série O Exorcista se passa 40 anos depois do ocorrido no filme. Apresentando-nos Tomas Ortega (Alfonso Herrera), o jovem padre mexicano, ascendente administrador da pequena paróquia Santo Antonio, dentro da cidade de Chicago. Tomas conseguiu transformar sua pequena paróquia em um recanto da comunidade, atraindo para si uma grande boa vontade dos líderes da Igreja em torná-lo algo maior. Porém após um pesadelo, Tomas sente que seu verdadeiro chamado pode estar em outro caminho. Uma estrada de sofrimento, heroísmo e exorcismos ao lado de Marcus Keane (Ben Daniels), exorcista experiente que fora excomungado pela Igreja devido a seus métodos apaixonados e pouco ortodoxos.

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Extremamente diferentes em personalidades e experiências, ambos os clérigos se unem para combater um caso de possessão demoníaca que aflige a família de Angela Rance (Geena Davis), frequentadora da igreja administrada pelo jovem pároco. Neste novo desafio, Marcus e Tomas, além de enfrentarem tal entidade diabólica, enfrentarão seus próprios demônios e um grande conluio demoníaco que assola Chicago. 

A série apesar de não possuir nomes tão renomados – Geena Davis (de Thelma e Louise e Fantasmas se Divertem) é de longe o nome mais famoso – apresenta um elenco de excelente qualidade e algumas curiosidades. No quesito qualidade, o que mais chama atenção é Ben Daniels como Marcus, a entrega e paixão que o personagem exige foi muito bem interpretada por Ben que já havia feito trabalhos importantes em séries de TV, além de uma discreta participação em Rogue One: Uma História Star Wars. Falando em trabalhos anteriores, é neste quesito onde se encontram as grandes curiosidades com relação ao elenco da série. O protagonista Alfonso Herrera, que interpreta o Padre Tomas, já havia trabalhado na série adolescente mexicana de grande sucesso na América Latina, Rebelde. E, para surpresa de alguns – inclusive deste bípede que vos escreve – Alfonso está muito bem no papel do padre que ao mesmo tempo é especial e falho.

Para terminar de falar sobre o elenco, não posso deixar de citar um nome que pelas letras em si não nos remete à história que o rosto realmente traz. Alan Ruck, o Cameron de Curtindo a Vida Adoidado. Alan interpreta Henry Rance, o marido de Angela e pai de Casey e Kat. Alan está sublime neste papel que, apesar de ser coadjuvante, exige qualidade de quem o interpreta. Percebemos que esta qualidade – que sempre faltou ao amigo famoso Matthew Broderick – está sobrando em Ruck, como podemos observar ao longo da primeira temporada de O Exorcista.

Agora vamos falar sobre a série em si, O Exorcista ao mesmo tempo que resgata o drama e o suspense do filme original, também amplifica estas e outras questões – como o esperado em uma série de 10 episódios comparado com um filme de 2 horas. As demandas pessoais dos padres são bem trabalhadas para que possamos nos conectar com os personagens, assim como o drama familiar da família Rance, que sofre com a possessão demoníaca de uma das filhas. Estas amplificações acrescentam bastante para que possamos nos seduzir pelos personagens, e não somente com os danos e efeitos especiais da possessão (vômitos, crucifixos, olhos pretos, etc.).

Falando em possessão, isso é um outro tema que a série amplificou. Desde O Exorcista clássico, e seus filhotes cinematográficos que se seguiram desde 1974, sempre houve um padrão com relação à possessão: a entidade diabólica se apossa gradativamente de seu hospedeiro. Porém na série é mostrado uma visão de dentro da consciência da vítima, como o diabo se mostra atraente e sedutor no início e como acontece algumas etapas desta dominação. A entrega, a luta, a resistência, todos esses estágios podemos visualizar de dentro da mente da hospedeira. Algo que já vimos em outros tipos de temas, mas, dentro da franquia O Exorcista, foi uma forma diferente de explicitar o processo e isso acrescenta bastante à história.

Outro ponto importante da série são os links com o filme, que são satisfatórios. Deixando realmente a impressão de que estamos naquele mesmo universo. A trilha sonora marcante do filme faz um papel fundamental para nos localizar e percebermos isso logo no primeiro episódio da série. Porém o link mais surpreendente não será nenhuma trilha ou apetrecho técnico qualquer, e que nos conectará ainda mais com o plot de 1974.

Como nem tudo são flores – como sempre – aqui se faz necessário elencar alguns dos defeitos da série, que não são muitos, porém incomodam em certos momentos. O conluio, como numa grande conspiração demoníaca que envolve inúmeras pessoas da cidade de Chicago, incomoda não só por ser algo que ainda não existiu dentro da franquia, como também é uma forçação de barra parecer que existem mais possuídos do que pessoas normais na cidade e na igreja – Neste aspecto fiquei me lembrando de outra série também produzida pela Fox, Outcast (que você pode ler a crítica aqui) – além do grande plano para a visita do Papa, como se os demônios quisessem não só passar uma grande mensagem para o mundo, mas também que exige um trabalho de equipe pouco aceitável para seres tão egocêntricos.

Uma outra situação que incomoda um conhecedor razoável de produções com essa temática, é a do overpower dos demônios. Poderes que transformam esses seres em personagens saídos dos quadrinhos de heróis, ou então do lado negro da Força – tipo Jean Grey ou Darth Vader – capazes não só de criar outras realidades dentro da mente de todos que estão em volta, como também destruir um carro, causar fraturas expostas e decepar membros apenas com sua própria vontade. E isso tira um pouco da mística cinematográfica que envolve “o possuído”, o espectador acaba sentindo cada vez menos horror e medo das cenas clássicas imortalizadas no filme e banalizadas na série.   

Isto posto, O Exorcista ainda assim consegue trazer certas reflexões ao espectador, principalmente no que tange a como somos falíveis e imperfeitos. Assim como o inverso também é verdade: somos virtuosos e esperançosos. Acima de tudo, humanos. E que por mais que “pequemos”, sempre há uma chance de redenção, ou de termos uma segunda chance, a partir do momento que nos permitimos a isso. Uma boa série para quem gosta da temática e, que apesar dos problemas supracitados, consegue nos envolver até o último minuto.

 

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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