Tenho aqui comigo uma grande lista de filmes clássicos e as décadas em que estão agrupados. Bem ali nos 70, especificamente em 1973, temos um clássico do terror: O Exorcista. Admito que tive uma certa surpresa quando parei para pensar sobre isso. Este filme é tão vivo até hoje – inclusive acabou de virar uma série de TV – que ele parece ter sido feito ontem. Se você for em algum lugar do mundo – em alguma escola talvez – sempre haverá um grupo de crianças falando que tem um filme antigo muito sinistro, ou se assustando com vídeos do Youtube onde a tal menina demônio pula na sua cara.

Para começar a falar deste filme, e para entender o porquê dele ter sido tão marcante, vamos lembrar de como era o cinema de terror até aquele momento.

Durante a década de 30 houve uma grande explosão de filmes de monstros pela Universal StudiosDrácula, Múmia, Lobisomens, Frankenstein e outros, tomaram os cinemas e se tornaram extremante populares. O terror tinha uma tonalidade chique e romântica que atraía o grande público. Castelos na Transilvânia com criaturas bem arrumadas, gigantes gentis, um homem que não controla sua condição monstruosa, tumbas de país exótico e distante. Havia um imenso glamour nisso tudo, e apesar de certa forma ainda existir até hoje, este glamour foi gradativamente se perdendo ao longo dos anos. O gênero de terror foi saindo desta posição de respeito e interesse do público e caiu à margem da indústria, se tornando no clássico conceito de filme B. A partir daí começa a onda de monstros do espaço, cientistas malucos, criaturas mais macabras e não tão clássicas assim. Óbvio que nesse meio tempo tivemos grandes obras do terror, mas tudo era muito de nicho e só se tornaram clássicos/cult mais tarde.

Onde Exorcista entra nisso? Ele foi um dos primeiros filmes do gênero que rompeu esse preconceito geral. Todo mundo já ouviu falar deste filme e, principalmente, todo mundo já sentiu medo dele. Tem até gente que morre de medo do longa que nem sequer o viu. A mística em torno dele ficou mais famosa do que a própria obra. Mas por que este filme causou tudo isso?

Publicidade

Sinopse rápida: Um padre que perdeu sua fé e uma atriz bem sucedida acabam cruzando suas vidas na tentativa de salvar uma inocente menina que foi dominada por um demônio terrível. A criatura que habita a jovem diz coisas terríveis, mentiras misturadas com verdades, para destruir o psicológico de todos à sua volta.

A temática de possessão demoníaca já tinha sido abordada, mas nunca desta forma até então. O processo acontece em um crescente lento e assustador. Porém mesmo que no fim a jovem já esteja completamente deformada, em nenhum momento você vê o demônio em si, ou qualquer forma espalhafatosa de materialização das forças do mal. É tudo muito realista dentro da proposta da temática da produção. Tanto que o filme só se torna terror propriamente dito, depois de uma hora de película. Até este momento O Exorcista é um suspense investigativo onde vemos muito mais dos diálogos médicos para tentar explicar os problemas enfrentados pela garota, do que os momentos chocantes.

Outro fator importante é até onde o filme mergulha em sua proposta. No início dos anos 70 temos uma menina pegando um crucifixo e se auto apunhalando na vagina enquanto grita “Deixe Jesus te foder”. Uma produção que não teve medo algum de chocar, mas que, curiosamente, não tinha isso como objetivo principal. O foco real da trama está em contar a história da mãe que deseja salvar sua filha e de um padre que perdeu sua fé com o passar dos anos e que acha que desperdiçou sua vida ao seguir o caminho da Igreja.

Vendo esse filme hoje, com calma e sem se espantar com as cenas de terror, vemos como O Exorcista marcou a memória coletiva de forma “enganosa”. As cenas que deixaram todo o mundo apavorado não são tantas assim e as mais famosas estão lá para o final da trama, pois na verdade se gasta um enorme tempo somente desenvolvendo os personagens. Por isso concluímos que os momentos que mais marcaram e chocaram àquela geração não era o cerne da trama, o objetivo principal do filme. Entretanto, isso gerou um enorme estilo que virou o objetivo principal de outras obras que vieram depois. Basta ver o cinema de terror dos anos 80, muito sangue voando e o surgimento do subgênero dos slashers. O Exorcista mostrou que era possível ousar um pouco mais e expandiu os horizontes dos diretores que vieram depois.

O filme dirigido por William Friedkin, é baseado no livro de William Peter Blatty que também fez o roteiro adaptado para o cinema. Antes deste filme tivemos o Bebê de Rosemery, em 1968, que fala um pouco sobre demônios, mas de forma completamente diferente, mas que também marcou o cinema e um dia será abordada aqui no Tarja Classics. Alguns colocam O Exorcista como “o filme mais assustador de todos os tempos” e de fato ele foi por muito tempo. Hoje em dia esse gênero criou muitos subgêneros que assustam de várias formas diferentes o que torna esse título em questão um tanto obsoleto.

Parte do charme também se criou com as histórias de bastidores que colocou a produção como “amaldiçoada”, mas essas histórias são exageradas. Houve mortes ligadas à pessoas que estavam no filme, mas nenhum número acima do normal. A temática do filme fez com que as pessoas prestassem mais atenção nesses acidentes. Porém uma das coisas mais bacanas, que vejo pouca gente refletindo são as várias pontas soltas e propositais que são deixadas: Quem profanou a estátua da Virgem Maria da igreja? Quem colocou o crucifixo na cama de Reagan? O que eram os barulhos no porão? O demônio que dominou Reagan era de fato o grande Satã ou um demônio menor? O que realmente significa a cena inicial do Iraque?

Se você já é um amante dos novos filmes de terror talvez ache o Exorcista uma produção até de um tom leve e com efeitos especiais apenas razoáveis. Mas quem se prende à somente esses aspectos e às cenas assustadoras do filme, pode ter perdido tais sutilezas que enriquecem ainda mais a trama. Então foque nos personagens, suas construções, seus dramas, note uma nova camada que está ali dentro do longa, e perceba que O Exorcista é muito mais do que um cuspe verde nos seus olhos.

Publicidade
Share.
Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

Exit mobile version