Muito se falou da queda de Thor no universo Marvel nos quadrinhos. Como um deus justo e poderoso pôde tornar-se indigno de levantar o seu martelo? O arco Indigno Thor causou certa curiosidade dos fãs para entenderem como isso foi possível, e, em uma trama de apenas cinco capítulos, conseguiu construir de forma elegante o sentimento de Odinson para que ele não se sinta merecedor de empunhar novamente o Mjonir, tanto de seu universo, quanto o do universo Ultimate. Levantando uma questão que desperta uma boa reflexão: os deuses são indignos?

Mas antes de ousarmos a dar uma resposta a essa pergunta, vamos falar um pouco do momento atual de Thor nos quadrinhos. Resumidamente: uma bagunça! Com tantas versões e multiversos diferentes, quando tentamos achar um pouco de raciocínio acabamos por perder um pouco da lógica dele, mas vou tentar, de certa forma, simplificar. Após se tornar indigno durante uma batalha contra Nick Fury e seu exército de Modelos de Vida Artificial, Thor perdeu a capacidade de empunhar seu martelo, e, após várias tentativas frustradas de reavê-lo, uma nova pessoa se mostrou digna do Mjonir. Thor Odinson conformado e convencido pela nova portadora do martelo mágico, cedeu seu nome para ela, criando assim as aventuras da Poderosa Thor, enquanto que para o filho de Odin só restou seu próprio sobrenome, “Odinson”, e uma grande dose de indignidade. Mas o que tornou o, agora, Indigno Thor verdadeiramente indigno?

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A resposta veio na homônima HQ de belos traços, escrita por Jason Aaron. Nessa história Odinson tenta descobrir quem roubou as terras da antiga Asgard, deparando-se com o Colecionador. O protagonista descobre que o motivo do Antigo Ancião do Universo não era colecionar um reino que há muito fora abandonada pelos seus deuses, e sim o artefato que caíra nela. Um novo Mjonir, de um diferente Thor do universo Ultimate que se sacrificara para conter a crise dos multiversos. Odinson, percebendo uma nova oportunidade de se mostrar digno de empunhar o novo martelo, luta arduamente ao lado de Bill Raio Beta, sua cabra e um cão do inferno. Enquanto acompanhamos essa saga, vemos também os duros pensamentos de Thor, e suas lembranças. Percebemos que mesmo quando ele podia empunhar seu Mjonir, dia após dia, Odinson se perguntava se ainda era digno de empunhá-lo. O que remonta o conceito sobre essa tal dignidade dos quadrinhos de Thor: não são seus atos heroicos que dirão se é digno ou não, mas sim o que o próprio acha de si mesmo. E quando o sussurro do Nick Fury penetrou nos tímpanos do deus do Trovão, na batalha já citada, Thor passou a se achar indigno.

Muita curiosidade se criou em volta deste sussuro. O que tão forte e abatedor Fury pôde falar aos ouvidos de Thor? E, enfim, no último capítulo de Indigno Thor, foi revelado o que ele disse a Odinson: Gorr estava certo… Os Deuses São Indignos.

Então somente uma frase foi capaz de parar Thor? Bem, a beleza está na reflexão que Thor teve em cima desse sussurro:

Deuses são criaturas vaidosas e vingativas. Sempre foram. Os mortais que nos veneram por séculos… todos eles estariam melhores sem nós. Nós deuses não merecemos o amor deles. Não importa o quanto lutemos para nos enganarmos. Todos somos indignos

E desta forma Thor se acha indigno não só do amor de seus adoradores, como também de empunhar seu martelo que apenas os dignos o podem. Um interessante pensamento com uma boa dose de culpa, que suscita reflexões em nós, leitores, gerando uma boa discussão: o seu próprio juízo é o conceito mais importante sobre você? Alguns podem concordar, outros não. E se pensarmos um pouco mais: uma caridade faria uma pessoa de mau coração digna? Ou um ato hostil faria uma pessoa de bom coração indigna? E se adentrarmos no âmbito celestial, da mesma forma que Thor se perguntou. Os deuses são indignos?

Todo este arco gerou modificações profundas nas histórias de Thor nos quadrinhos, que atualmente conta com 3 Thors: O Indigno, A Poderosa e O Novíssimo Ultimate Thor. O que pode gerar uma grande confusão de ideias e histórias, pervertendo todo este belo conceito debatido neste texto. Mas já é algo que esperamos dos quadrinhos. Suas sagas continuadas acabam gerando certas dissonâncias ao longo do tempo e uma hora ou outra um reboot ou um novo universo será criado para voltar tudo aos eixos. Porém a ideia foi contada com êxito em algum momento do espaço-tempo.

E por mais que critiquemos e falemos mal dos quadrinhos: a sua bagunça, as infinitas crises, a visão mercadológica, o cavalete dos filmes, etc… nunca poderemos afirmar que os quadrinhos deixaram de pensar ou de fazer pensar. Nunca deixou de apresentar sentimentos inerentes à própria humanidade nas histórias. E em Indigno Thor não é diferente, já que por diversos momentos da história a raça humana idolatrou seus deuses. E a troco de quê? Uma melhor colheita para se alimentar, um mar tranquilo para se navegar, a cura de uma doença, a fertilidade, etc. Sempre depositamos um desejo ou uma esperança nas mãos de uma suposta entidade ou ser superior, capaz de orientar ou controlar não só a natureza, mas também a própria mente do homem. E, através da idolatria e sacrifícios, buscamos que esse poder divino intervenha em nosso favor. E os deuses respondem à altura? Eles intervêm? Eles são dignos de tal idolatria? Ou essa própria busca de uma vantagem divina torna os homens também indignos? Alguém digno de responder tais perguntas?

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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