A ficção científica e a fantasia se reinventam baseadas em elementos que já foram utilizados em outras obras dos mesmos gêneros, seja na literatura ou no cinema. A combinação certa pode resultar em uma trama nova e instigante e foi exatamente isso que aconteceu com Viúva de Ferro, da escritora Xiran Jay Zhao, que mistura esses ingredientes com os costumes e a história da China.

Na Huaxia, a maior honraria que uma garota pode receber é ser escolhida como piloto-concubina, uma espécie de serva que se conecta a um piloto homem para que, juntos, possam fornecer energia para dar vida às crisálidas, máquinas de guerra gigantescas utilizadas na luta contra seres de outro planeta que vivem além da Grande Muralha. Essa conexão mental é tão agressiva que na maioria dos casos termina com a morte das meninas. Wu Zetian está prestes a se tornar uma dessas piloto-concubinas, porém ela não pretende morrer sem antes se vingar do piloto que matou sua irmã. Mas seus planos mudam drasticamente quando ela recebe o título de Viúva de Ferro, uma mulher que suga a energia vital dos homens nas crisálidas e os leva à morte. Para tentar reduzir seu poder, o exército coloca Zetian como a concubina de Li Shimin, o piloto mais poderoso do país, conhecido por matar todas as suas parceiras.

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Quem está familiarizado com histórias desse gênero, irá reconhecer alguns desses elementos de outras obras. O primeiro deles é Círculo de Fogo, onde uma dupla de pilotos precisa entrar em sincronia para controlar robôs gigantes na luta contra alienígenas. Parte da trama também se parece com A Grande Muralha, onde essa estrutura é o único obstáculo contra criaturas de outro mundo. Indo mais longe, podemos reconhecer características vistas em Power Rangers e outros programas do mesmo tipo.

Mesmo com tantas coisas já conhecidas, a autora consegue deixar Viúva de Ferro com uma personalidade única, combinando essas referências e inspirações com a cultura da China (ou Huaxia, como o país é chamado na literatura chinesa). Isso inclui tanto os costumes bons quanto os ruins, como a tradição de quebrar os pés das mulheres e amarrá-los para modificar seu formato. A própria protagonista é vítima desse ritual bárbaro e precisa enfrentar as limitações que isso causa. Além disso o seu nome, Wu Zetian, é inspirado na primeira mulher a se tornar imperatriz da China.

Como não poderia ser diferente, o livro apresenta muitas cenas de ação, contudo não se limita a isso. Vemos casos de abuso contra as mulheres, tortura física e psicológica e personagens com a saúde mental tão debilitada que fazem menção ao suicídio ou então tentam se refugiar no álcool. A obra inclusive toma o cuidado de alertar os leitores mais sensíveis para a presença desses temas.

A personalidade da protagonista e seu jeito rebelde levantam perguntas e reflexões sobre os direitos das mulheres e as convenções estabelecidas pela sociedade, particularmente pelos homens. Só que ao invés de querer resolver as coisas no diálogo, ela sabe que a única solução é conquistar seu espaço pela força, o que faz dela uma pessoa implacável e até mesmo impiedosa.

A obra mantém um ritmo ágil e envolvente até chegar ao último ato, mas a partir daí a autora parece correr com a narrativa, de modo que tudo parece acontecer rápido demais e sem o devido desenvolvimento. Nas páginas finais há uma reviravolta que faz gancho para o segundo volume, porém a forma como isso é feito deixa uma sensação de confusão e não de surpresa.

Ainda assim, Viúva de Ferro é um exemplo de como a criatividade pode reunir elementos já conhecidos e criar algo novo ao misturá-los com a cultura milenar de uma nação. Ao mesmo tempo em que diverte, o livro nos provoca a pensar e questionar certos hábitos enraizados na sociedade.

Adicione este livro à sua biblioteca!

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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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