Quando se tem um universo extremamente recheado de personagens, é bastante comum que eles reapareçam de tempos em tempos com leves mudanças, principalmente quando estamos falando de personagens não tão importantes. No mundo dos quadrinhos isso é bastante comum, principalmente quando se passam décadas e algum personagem não se encaixa mais nos novos padrões, ou simplesmente não é mais uma ideia tão interessante. Devido a isso, é bem normal ver personagens dos anos 40 e 50 retornando de forma completamente diferente para as páginas, quase sempre totalmente reformulados.

Flash

Um dos personagens mais populares com o qual essa reformulação ocorreu. Para quem já assiste a série de TV, ou é um leitor regular das historias do Corredor Escarlate, é um até conceito comum alguma outra versão do Flash que usa uma curiosa (para não dizer levemente ridícula) panela na cabeça. Aqui no Brasil, essa antiga versão do personagem ganhou o nome de “Joel Ciclone”. Esse foi o primeiro Flash a ser publicado no ano de 1940, e se chamava Jay Garrick . Assim como todo bom Flash, ele corria em velocidades absurdas devido a um acidente com produtos químicos. O personagem não usava máscara e constantemente vibrava seu rosto e suas cordas vocais para não ser reconhecido, ou simplesmente se movia rápido demais para os olhos humanos observarem. O Flash como conhecemos, Barry Allen, só surge em 1956, totalmente reformulado em seu visual na revista Showcase, número 4. A origem foi levemente modificada e os poderes do personagem um tanto levados para os novos padrões daquela década. Na maioria dos casos, a antiga versão simplesmente é esquecida, mas Joel foi recuperado na edição 123 da revista Flash em 1963 (agora protagonizada por Barry). Já escrevi sobre ela aqui explicando sua importância para a mídia dos quadrinhos. O que foi feito nesta edição foi fundamental para manter vivas as diversas versões antigas de personagens da Era de Ouro.

Tocha Humana

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Alguns já podem ter ouvido falar de tal “Tocha Humana Ciborgue” que existia na Marvel, antes do icônico Tocha Humana do Quarteto Fantástico. Ele, junto ao Namor, foram os dois primeiros personagens da editora onde o Tocha era o herói e Namor o antagonista. Na verdade, a primeira vez que esse ciborgue aparece é na revista Marvel número 1, em 1939. Esse Tocha Humana era um humano sintético que tinha a capacidade de inflamar o próprio corpo. Ele teve direito até mesmo a um parceiro mirim chamado Centelha, e lutaram na Segunda Guerra Mundial ao lado do Capitão América e outros heróis, num grupo chamado de Invasores. Quando a dupla Stan Lee e Jack Kirby estão formulando o Quarteto, tiveram a ideia de reciclar o conceito do Tocha Humana, mudando sua origem. Mais tarde, ao logo das aventuras da família, eles trazem de volta o próprio Namor e o colocam, mais uma vez, como um anti-herói. O Tocha Ciborgue nunca foi oficialmente anulado da cronologia, mas, gradativamente, foi sendo varrido para de baixo do tapete. Existe uma pequena referência a ele no primeiro filme do Capitão América.

Besouro Azul

Esse é um caso extremamente curioso. Na era das noveletas de rádio, existia diversos personagens heroicos e muito populares. Dentre eles havia Besouro Verde, que começou a ser transmitido em 1936. Em 1938, surge Superman e a explosão de super heróis começa. Dentro desse contexto começam a pipocar em todos os cantos diversas editoras que publicavam quadrinhos, e boa parte delas com cópias baratas de heróis que já existiam. É daqui que nasce o Besouro Azul, uma cópia safada do Besouro Verde. Mais tarde, a editora deste, e outros personagens, foi comprada pela DC Comics e todos eles anexados ao universo dos heróis da editora. O personagem brilhou e ganhou uma personalidade própria na fase cômica da Liga da Justiça, onde ele fazia uma dupla hilária com o Gladiador Dourado. Ele tinha tudo para ser só mais uma cópia boba de heróis que usam aparelhos e tecnologias, mas essa veia cômica o tornou um tanto único. Infelizmente, o herói foi brutalmente assassinado numa das aventuras da Liga, e o nome “Besouro Azul” foi reciclado em um novo personagem. O novo Besouro é um garoto que entrou em contato com uma tecnologia alienígena que se anexa ao seu corpo como uma segunda pele. Seu drama é tentar ter uma vida normal sendo que ele carrega uma poderosa arma alienígena que muitas vezes sai do controle. Um personagem interessante que, por vezes, está nas aventuras dos Jovens Titãs. Uma pequena curiosidade: esse Besouro Azul clássico era o personagem que Alan Moore queria usar em Watchman, assim como diversos outros personagens que já existiam, mas como a DC não permitiu, e ele precisou criar personagens novos do zero. E assim nasceu o Coruja.  

Wolverine

O que era para ser um simples vilão genérico numa revista do Hulk acabou se tornando um dos personagens mais populares da Marvel. Na edição 180 (em 1968) de Hulk ele enfrenta esse estranho soldado com garras nas mãos, ao mesmo tempo em que se digladiam com a criatura Wendigo (já falei dela aqui). Quando a equipe X-Men estava sendo reformulada, esse personagem de roupa amarela foi resgatado para montar a equipe diversificada que se pretendia criar. Em Giant Size X-Men (de 1975), ele finalmente vira um “herói” de fato, mas, honestamente, sem muita personalidade. Quando o desenhista John Byrne chega para desenhar a revista, ele pede para o roteirista Chris Claremont dar mais destaque ao Wolverine porque ele era canadense, assim como Byrne, que desejava ver um compatriota tendo destaque. Gradativamente ele foi se tornando mais e mais popular dentro da equipe, até que ganhou sua própria revista. O resto é história.

Lanterna Verde

Talvez um dos personagens mais reciclados da DC pelo próprio conceito de “policiais do espaço”, onde basta cada um ter um anel para efetivamente ser um Lanterna Verde. Atualmente, já podemos contabilizar seis Lanternas, no universo regular, que utilizam os anéis vindos de Oa. Mas nem sempre foi assim. O conceito de Lanterna Verde surge em All Americans Comics, número 16, no ano de 1940, onde acompanhamos Alan Scott com seu anel mágico. Todos os poderes que o personagem utilizava eram derivados de magia, mas, assim como Joel Ciclone, ele foi deixado de lado para uma versão mais moderna. Assim surge Hal Jordan e todo o conceito espacial. Mas, como quase tudo na DC, esse personagem se manteve na cronologia e, de tempos em tempos, reaparece no grupo Sociedade da Justiça. Na reformulação dos Novos 52 Alan Scott saiu do armário e protagonizou ótimas histórias na revista Terra 2.

Sandman

Talvez o caso de reciclagem mais extremo dos quadrinhos, pois só uma coisa do conceito original se manteve: o nome do personagem. Sandman era um simples vigilante que utilizava armas com areia sonífera (eu sei que isso não faz muito sentido) para apagar criminosos. O personagem até tinha um visual muito bacana, mas nunca fez muito sucesso. Anos depois, a DC queria aproveitar o nome e disse que o novato Neil Gaiman poderia escrever qualquer coisa com esse nome. Assim nasceu uma das obras mais cultuadas dos quadrinhos. Sandman se tornou um deus dos sonhos rodeado de uma mitologia gigantesca. Entretanto, o vigilante foi aproveitado outras vezes com histórias muito adultas no melhor estilo Noîr. Eram aventuras de detetive verdadeiramente muito boas, mas acabaram ficando na sombra do enorme trabalho que Gaiman realizou.


Existe outra boa quantidade de personagens reciclados, mas vamos deixá-los para uma parte dois, mas você pode deixar nos comentários os nomes que faltaram nessa lista. Entretanto, é bom comentar que, de certa forma, o próprio Capitão América é uma espécie de reciclagem que Stan Lee fez na revista dos Vingadores. Ele não altera o personagem, mas o coloca num contexto completamente diferente, além de Steve Rogers estar completamente esquecido naquela época. Se quiser dar uma olhada nessas histórias mais antigas com um olhar moderno, sugiro que leia Marvels, onde na primeira edição já vemos a origem do Tocha Humana Ciborgue. A clássica Crise das Infinitas Terras também pode ser uma boa pedida para achar uma enorme quantidade de personagens da DC que sumiram ou foram totalmente reformulados nessa gigantesca saga.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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