Quando se vê o nome de Julia Louis-Dreyfus e Will Ferrell estrelando um filme a maioria dos fãs de comédia já se sentiria inclinado a conferir. Downhill veio sem grande alarde nesse período de quarentena global e mesmo tendo dois nomes estelares parece não se esforçar para mostrar ao mundo que ele existe. Os nomes no roteiro e direção também não são pouca coisa. Jim Rash, um roteirista ganhador de Oscar, adaptou a versão europeia desse roteiro e codirigiu. Você também pode conhecê-lo do seu excelente papel na série Community. Ruben Östlund é o roteirista da versão Suíça original e talvez você o conheça pelo seu trabalho mais famoso, The Square: A Arte da Discórdia.

Um casal com dois filhos vai passar as férias nos Alpes com o intuito do pai se recuperar de um momento difícil de luto. Uma série de desentendimentos começa a acumular até que o casal começa a pensar que o casamento está completamente arruinado.

A premissa desse longa é interessante e possuiu um início de conflito que realmente abre uma série de possibilidades para discussões sobre diferentes interpretações de um mesmo evento. O problema é que numa história como essa não pode tomar lados, pois cabe ao espectador tirar sua própria conclusão, se não, qual o ponto da discussão se o filme vai dar a palavra final sobre ela? Não significa que um filme não possa apresentar uma visão de mundo, mas também não pode apresentar dois pontos de vista válidos e escolher um para exaltar e outro para humilhar enquanto finge que está criando um debate justo.

A falha mortal de Downhill é que ele quer que estejamos do lado da personagem de Julia Louis-Dreyfus, mas ela é escrita da forma mais desagradável possível. Sua personagem é egoísta, humilha o marido e os filhos, prepotente em níveis inimagináveis e acredita que qualquer um que discorde delas merece sofrer e ser igualmente humilhado como seus familiares. E o mais bizarro de tudo? O filme não parece perceber o quão monstruosa é sua protagonista e o tempo todo tenta criar justificativas para seu caráter terrível. O marido, vivido por Will Ferrell, não é nenhum santo, mas nós não tiramos nenhuma satisfação em ver esse personagem ser humilhado durante quase uma hora e meia. Ironicamente acabamos sentido empatia por essa figura pela humilhação constante que ele sofre.

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Downhill tenta ser uma daquelas misturas entre drama e comédia, mas nesse último quesito fracassa por completo. Todas as tentativas de humor do filme só intensificam a tortura que é esse drama sem sentido, principalmente porque o conceito de humor desse filme se baseia em ver personagens sofrendo.

Em dado momento é importante focar nas crianças do casal, mas elas são escritas de forma completamente irrealista. A única função delas na trama é gerar problemas e se comportarem como se tivessem cinco anos de idade mesmo que os atores escalados possuam o dobro dessa idade. Todos os outros secundários são versões ultra exageradas de um estereótipos e em nenhum momento acontece uma conversa de verdade com eles. De suas bocas só saem discursos prontos e ensaiados feitos para glorificar a personagem de Julia Louis-Dreyfus.

A única qualidade palpável dessa produção é o talento genuíno desses dois atores principais que claramente fazem de tudo para adentrar nos dramas apresentados na trama. Tirando isso não existe nada que torne esse filme minimamente interessante. Durante toda a exibição é fácil perder a concentração enquanto imagina como os realizadores puderam achar natural ter uma protagonista tão desprezível como essa.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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