Os dois últimos filmes do Thor dificilmente são os favoritos de qualquer fã de quadrinhos ou filmes de super- herói. O primeiro teve a função de apresentar o personagem para o público já que ele e seu universo mitológico teriam uma função importante no primeiro filme dos Vingadores. “Thor: Mundo Sombrio” pareceu mais como uma encheção de linguiça, apesar de ter dois elementos importantes: apresentar uma das Joias do Infinito e tirar Odin do trono. O último fato é tema central do terceiro filme, que entra para a seleta e curiosa lista de trilogias que só começam a ficar boas no terceiro.

Loki (Tom Hiddleston) está assumindo o trono de Asgard, enquanto Odin (Anthony Hopkins) está desaparecido. Thor (Chris Hemsworth) mantém sua caçada pelas joias do infinito e se fazendo presente nos Nove Reinos. Quando a Deusa da Morte, Hella (Cate Blanchett), revela-se como uma das possíveis herdeiras do trono, os dois irmãos são exilados num distante planeta e precisam se reagrupar para retornar a sua terra natal e tirar a ditadora Hella de seu trono usurpado.

Quando a direção de Taika Waititi foi anunciada, iniciou-se uma caçada para achar filmes deste misterioso diretor que ninguém nunca tinha ouvido falar. Alguns já haviam entrado em contato com seu trabalho mais famoso “O que fazemos nas Sombras”, mas ele ainda era bastante desconhecido como um todo. Taika é o tipo de diretor que basta vermos dois filmes dele para entender qual é seu estilo e o seu senso de humor. Muitos reclamam, com certa razão, que é difícil ver um filme autoral sob a chancela da Marvel e que todos os longas são muito dentro de um formato. Talvez o único que consiga fugir dessa forma sejam os dois Guardiões da Galáxia, mas agora temos mais um para acrescentar nessa lista: Thor Ragnarok.

O humor empregado nesse longa é típico de Taika e, por mais que a maioria dos filmes da Marvel sejam carregados de humor, este é diferente. Piadas sutis sobre o absurdo que é o mundo mágico de Thor, as idiossincrasias de cada personagem e diálogos simples muito bem construídos que levam organicamente o humor durante o longa. É claro que parte desse acerto é mérito do roteiro de Eric Pearson que também conseguiu balancear bastante a comédia e a aventura.

Vamos a alguns defeitos rápidos do filme. O primeiro ato é bastante corrido. Neste primeiro momento o longa não lhe dá muito tempo para apreciar pequenas coisas divertidas que todos desejavam apreciar. Até mesmo o esperado encontro entre Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch) e Thor passa num piscar de olhos. O filme só parece descansar e nos deixar aproveitar as coisas com calma no segundo ato. De modo geral, os outros dois filmes já possuíam seus problemas de lógica e algumas regras deste universo místico que não se faziam muito claras. Nesta história esses problemas continuam e, de certa forma, é possível que você não os perceba no decorrer do filme, mas eles estão lá. Nada verdadeiramente fatal, mas enfraquece a trama quando paramos para refletir sobre eles.

A ação é combinada com comédia de forma esperta, mas, de modo geral, não temos cenas de ação memoráveis. Esse filme certamente tem muito mais piadas memoráveis do que cenas de ação que você lembrará após o fim da exibição. Visualmente o filme possui um toque muito especial. Precisamos falar por um momento de Jack Kirby, o homem que deu vida em forma de desenho para os grandes personagens da Marvel e criou todo o visual do universo cósmico da editora. Isso se faz mais presente aqui, pois o filme abraça completamente sua temática space opera, no melhor estilo Star Wars. Pinturas, arquitetura, entalhes, formato das naves e tudo que você possa imaginar estão gritando Kirby. No primeiro momento em que Thor foi introduzido neste universo compartilhado ficou claro que havia um flerte deste mundo asgardiano com algo cósmico e alienígena, mas aqui o conceito é finalmente abraçado por completo.

Fãs fiéis do personagem provavelmente ficarão incomodados na mesma medida que adorarão algumas adaptações feitas para essa história. Muitos elementos da mitologia do Thor são mexidos e alterados para se encaixar no roteiro. O maior exemplo disso é que esse filme é um amalgama de duas grandes sagas nos quadrinhos, que são o Ragnarok e Planeta Hulk. Ambas são profundamente alteradas para tornarem-se uma e ganharem tons cômicos. Uma vez que se aceite essa proposta é muito fácil aproveitar o filme. Vários elementos clássicos estão lá, mas eles foram bagunçados e mexidos por um bobo da corte muito inteligente e que sabe o que está fazendo.

Muitos fãs do cinema e das adaptações de quadrinhos reclamam do excesso de humor dos filmes da Marvel. É possível que muitos apontem que esse seja mais um desses filmes, mas acredito que essa é uma informação incorreta. O estilo e tom de humor que temos aqui são bastante únicos e, por vezes, até simples. Uma simples fala ou gesto se tornam muito engraçados pelo jeito que são entregues. Quem diria que o ator do Thor se mostraria um sujeito tão inteligente para a comédia? Acho que finalmente podemos dizer que este herói ganhou uma personalidade marcante como Tony Stark, Senhor das Estrelas e outros heróis relevantes do universo compartilhado.

O final do filme é bastante marcante. Acredito que é mais uma dessas coisas que fará os fãs de quadrinhos vibrarem e ficarem confusos ao mesmo tempo. Mais uma dessas coisas que são fiéis e diferentes ao mesmo tempo. Tudo sobre o Thor está mudado e o futuro apresenta possibilidades infinitas para um personagem que pode vir a gerar os filmes mais diferentes dentro do selo Marvel. A primeira cena pós-créditos pode vir a ser importante para o contexto do universo e a segunda pode ser dispensada para quem está com pressa de sair da sala de cinema, apesar de ser uma piada divertida. Thor: Ragnarok é realmente engraçado e finalmente dá ao personagem um filme memorável como ele sempre mereceu. Sabe pegar a fonte original e criar algo novo e realmente único.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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