Devo dizer que esta crítica está sendo feita por alguém que não é um jogador da franquia da Ubisoft, mas já fui para o filme sabendo o plot principal envolvendo templários e assassinos. Além disso, sou um estudante de história e muito me interessa tramas que envolvam momentos históricos. Ou seja, não fui cru para o cinema, mas ao mesmo tempo não conhecia a fundo esse universo e fui pego por muitas surpresas. De modo geral eu não gosto muito do conceito de ficção científica acessar seus antepassados através de memória genética. Lá no fundo não vejo a necessidade dos eventos do presente no mundo de Assassin’s Creed. Por mim veria toda a história do filme, muito mais animado, caso ela se passasse exclusivamente nos eventos históricos.

Pontos positivos: A fotografia do filme é fantástica, tanto no passado quanto no presente.  De modo geral a direção de Justin Kurzel está de parabéns – tirando por uma coisa que falarei a frente. Duas coisas em especial me deixaram muito surpreso por sua ousadia: grandes cenas completamente em espanhol e a forma como a igreja católica é colocada no filme. De modo geral o americano detesta ler legendas e por isso filmes de outros países têm muita dificuldade de adentrar no território norte americano, além da disputa com o material interno. Neste filme, que é direcionado a um grande público, temos diversas cenas em espanhol que são consideravelmente longas e importantes.

Antes de falar da questão da igreja precisamos falar de um pouco de história. Por muito tempo a península ibérica foi dominada pelos mouros (povo árabe praticante do islamismo) e somente na era moderna que Portugal e Espanha se formaram como nações através da união do povo europeu para expulsar os árabes. Um período longo, conturbado e cheio de guerras onde os católicos acreditavam estar retomando sua terra de direito e os árabes defendiam a terra que haviam se estabelecido a mais de um século. É neste contexto que a parte do passado do filme se passa.

O roteiro, sem medo algum, colocou os católicos como os vilões deste período temporal e os árabes como o povo que estava sendo agredido. Na atual conjuntura política americana achei isso bastante surpreendente e corajoso. Por outro lado criticar a Igreja não é uma novidade completa, principalmente com a vitoria de “Spotlight” no Oscar, mas ainda assim, um filme pipoca como esse geralmente evita tais polêmicas.

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Agora vamos aos pontos negativos. As cenas de lutas são muito bem pensadas, mas por algum motivo que não entendo, o diretor optou por cortar as cenas do passado para mostrar o tempo todo como estava o protagonista naquele braço mecânico que o erguia quando estava em contato com seus antepassados. Isso tirava toda a graça da cena de ação para me mostrar Cal pendurado numa garra totalmente desinteressante. Isso tirou, e muito, a graça das cenas de ação.

O roteiro explicou bem toda a ideia desse mundo sem medo de demorar um pouco mais. Tudo para ter certeza absoluta que o público havia comprado a ideia do plot geral. O problema maior estava na motivação dos personagens e algumas mudanças bruscas de atitude. Para ser justo, a maioria desses filmes tem personagens que mudam de opinião de forma abrupta e sem muito motivo. É um problema recorrente e que está neste filme. Cal uma hora odeia estar fazendo aquilo, depois pede para entrar no Animus, depois desiste. O filme tenta fundamentar todas essas mudanças, mas fica tudo meio forçado e vazio. Ao fim do filme Sofia toma um rumo que em nenhum momento há uma construção no roteiro. Na verdade o filme aponta o contrário. Pois, afinal de contas, uma cientista que pretende erradicar a violência achar que tal objetivo não geraria nenhum problema é, no mínimo, ingênuo. Seu pai trabalha numa empresa que é controlada por um grupo secreto e ela acha que está tudo certo? A decepção apresentada é muito forçada para redimi-la como personagem.

O final também sofre de um momento muito piegas, num grande encontrão emotivo de antepassados. O filme era bastante científico em dizer que a conexão com o passado era feita através da tecnologia, mas esse final passa uma vibe de “o poder do amor atravessa vida e a morte”. Inclusive há uma surpresa envolvendo os antepassados de Sofia, uma ideia até legal, mas novamente concebida de uma forma piegas.

O filme é bom e abre uma porta interessante para uma nova franquia cheia de possibilidades. O primeiro filme faz o trabalho difícil de mostra o universo e seus conceitos. Talvez para uma continuação possamos ir para lugares mais ousados e apostar mais em cenas de ação que não precisem ficar pulando entre passado e presente. Talvez até mesmo um filme que se passe somente no passado. Talvez até se desprendendo do protagonista que vemos neste filme, assim como ocorrem nos jogos que possuem vários personagens.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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