Na Comic Con de San Diego, em julho de 2016, no meio de vários anúncios de filmes de heróis e séries de TV de franquias famosas, também foi anunciado o primeiro trailer de Snowden. Desde então a prévia captou minha curiosidade em saber como uma produção hollywoodiana apresentaria o caso tão polêmico e de extremo conhecimento público do ex agente da CIA e NSA que revelou o sistema de espionagem do governo americano: Edward Snowden. E para minha surpresa, mais do que apresentar corajosamente a história do caso, como já havia acontecido com o premiado documentário Citizen FourSnowden consegue transformar a denúncia verídica em uma grande obra dos cinemas.

E como é bom ver essa historia em um mundo midiático inundado de filmes de super-heróis de quadrinhos. Um filme de “heroi” que – enfim – não se prende à fórmulas de roteiro e a excessos de piadinhas como os que vemos por aí liderando as bilheterias. E não só isso, histórias como a de Snowden nos faz lembrar que existem realmente tais seres heroicos, porém sem capas, sem super poderes e sem HQs aclamadas de background. Um ser humano limitado e frágil, como nós, pode fazer a diferença no mundo, mesmo que seu destino seja o exílio na Rússia, bem longe de sua pátria. Porém um exílio de cabeça erguida. Exaltemos a liberdade de fazer um filme crítico como este, e num timing perfeito: Na saída de Obama – tão criticado pelo filme – da presidência dos EUA  e na ascensão de Donald Trump, um presidente que tem tudo para fazer da espionagem uma arma ainda mais perigosa. 

Snowden apresenta o tão reverberado acontecimento de 2013, a revelação do grande esquema americano de espionagem mundial. Através do programa PRISM e XKEYSCORE a NSA tinha acesso à vida particular de quase todas as pessoas que usufruía da tecnologia no seu dia a dia, seja mandando SMS, Whatsapp, usando E-mail, Skype ou Youtube. Todos, inclusive chefes de Estados, suas vidas particulares, suas mensagens diplomáticas e econômicas estavam debaixo da mira dos olhos bem abertos dos EUA. Entretanto o filme aborda essa história de uma forma diferente, e ainda melhor, do que imaginava: O encontro de Edward Snowden com os repórteres para entregar os dados secretos da agência de espionagem, a luta para a autorização para publicar as revelações na mídia, a tensão do perigo de serem descobertos a qualquer momento… O interessante não é mostrar o que já conhecemos da história através dos telejornais, e sim contar o que não sabemos: Quem é Edward Snowden?

Sim, o filme constrói parte da trajetória de vida do protagonista: A sua vida militar frustrada – embora patriótica – antes de entrar na CIA, seu treinamento na agência – onde aparece o ator icônico e decadente, Nicholas Cage, escanteado no longa – as missões de Snowden, seu dom para exercer o trabalho de espionagem digital… Durante todo o filme vamos conhecendo a ideia da tal segurança americana, o motivo que fez – e faz – o governo dos EUA passar por cima da própria constituição de seu país, seus princípios fundamentais, e de qualquer sentido de ética para oferecer a “proteção” necessária à liberdade da América, e vemos a relação de Snowden com o tema ser questionado desde o princípio.

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Joseph Gordon-Levitz brilha em dar vida ao protagonista da vida real, colocando-se novamente em voga desde os fracassos de Sin City 2A Travessia. Percebemos o grande estudo do ator ao personagem: Trejeitos, a fala, o comportamento e personalidade de Snowden, todos traduzidos numa grande atuação de um talentoso ator, apesar do elenco de apoio ter se limitado à caricaturas.

Depois dos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, onde a ameaça do terrorismo explode, o governo tem carta branca para usar qualquer ferramenta que possa evitar mais um dia como aquele. Porém isto também permite às defesas americanas irem muito além de lutar apenas com Bin Laden, Saddam Hussein e cia. O terrorismo é apenas a desculpa para a maior rede de espionagem mundial conhecida da história, que monitora não só lideres de países inimigos e aliados como já dito antes, mas também a mim e a você, reles seres vivos – quase inofensivos… – vivendo nossas vidinhas em frente a um computador e um celular na mão – às vezes dois. Snowden em suas missões não só vai descobrindo o quão profundo são esses monitoramentos, como percebe que aquilo pode ser usado para os EUA tirar qualquer vantagem não só de outros países, como também dos próprios americanos.

A questão é, até onde pode-se chegar buscando fazer o bem? Quais são os limites? O fim justifica o meio? Essas indagações passam na cabeça de Edward Snowden, ele vê e participa de várias ações de espionagem onde a segurança de seu país era a última coisa que estava em questão. Percebemos que com a desculpa do “bem maior” o serviço de inteligência americana não só identifica supostos “terroristas” de facebook e twitter, como também facilita a barganha e a estratégia para o aumento da supremacia econômica e política americana no cenário mundial através dessas informações privilegiadas.

Oliver Stone está sublime na direção do longa-metragem. Não poderia ter uma escolha melhor para o comando da produção do que o diretor de clássicos como Platoon e Wall Street, conhecido por sua abordagem polêmica e escancarada acerca de alguns temas políticos e econômicos. A fotografia está bem competente, horas chegando a trabalhar placas mães de computadores com cidades sendo “descriptografadas”. Uma excelente edição e um ritmo ainda melhor – não se percebe momentos em que o interesse no filme caiaSnowden flui de forma espontânea na película, conseguindo deixar as duas linhas temporais contadas no filme num alto nível de interesse ao público. Stone acerta no tom de denúncia do filme, construindo com calma a ideia que passou na cabeça de Snowden na vida real, e consequentemente nos espectadores, não só de princípios fundamentais de humanidade e direitos mas também de que questionar as atitudes de seu país também é um ato patriótico.

Adaptações de histórias reais não são novidades nos cinemas, nem o tom crítico delas também. Tivemos filmes de sucessos recentes – como o excelente Trumbo e o mediano ganhador do Oscar de 2016,  Spotlight – ambos com a mesma proposta de Snowden. Entretanto a adaptação do caso do ex-agente da CIA brilha em contar uma história tão recente e conhecida do público de uma forma única e dramática. Com cada elemento de roteiro e da produção em si funcionando perfeitamente na trama aliados com a estrela de Gordon-Levitz brilhando a cada cena do filme. O final é simplesmente encantador, onde realmente criamos esperança que uma atitude pode sim mudar as coisas, mesmo que você seja condenado a não pisar mais em sua terra por ser considerado um traidor de uma pátria traiçoeira.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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